quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Barthes...

Terça-feira nublada. Tarde de Barthes.
Corpo presente, mente ausente.
Não sei ao certo aonde estou.
Nem aqui ou ali, só não estou.
A mesma fala monótona.
O mesmo silêncio de sempre.
Quando não falo, pouco me envolvo.
Quando me privo, sinto vazio.
Sem experimentar ou falar-escrever, não leio.
Sem experiência sensível: silêncio!
Barthes querido, me desculpe, mas cansei de você. Hoje. Talvez só hoje.
Às vezes não sei te ler.
Inundas minha mente constantemente.
Vejo você em tudo e tudo em você.
Caso de amor, autor-leitor.
Mas ainda assim, cansei de você. (só um pouco talvez)
Enquanto vejo portas pra entrar, escolho nenhuma e todas.
Sinto-me cobrada e também abandonada.
Ó paixão incômoda, convicção insuportável de ser.
Quero ser assim e ponto.
Quando não quero: tento, mudo.
mas quando quero, outros não querem.
Sempre há aquele que sugere o que não quero ser.
Inclusive ouço como não devo ser.
Mas sou. Não só quero, mas sou e ponto.
Talvez crucificada, eu serei. Uma herege talvez.
Talvez depois da morte, reconhecimento...ou não.

Sejamos egoístas! (arrogantes e impulsivos)

Lição de hoje: Não seja arrogante, egoísta e impulsiva!

Mas se arrogância for acreditar nas próprias convicções. Eu prefiro.
Se egoísta eu for pelo conhecimento, sede do saber, pelo ouvir, falar, trocar. Eu prefiro ser.
Se impulsiva eu for com as emoções, toque, fala, relações.
Ser aquela que oferece a conversa e convida para a amizade.
Que troca e não tem medo de trocar. Eu prefiro sim.
Se não sou aquela que reprime, porque sou reprimida?
Se ouço que não devo julgar, porque sou julgada?
Não reprimir. Deveria ser um mandamento.
Julgar? Inevitável.
Prefiro deixar o outro ser o que quiser ser, desde que não me afete.
Não me intrometo. No máximo, contribuição, sugestão, opinião.
Não sou dona da verdade, nem ninguém.
Não há coisa mais inconveniente que uma crítica não solicitada.
Mas sei eu se não faço isso?
Se alguém me envergonha, aceito, aturo.
Se alguém é diferente, tento, lido.
Se alguém me "punctua", aproveito.
E já dizia o "ditado": Cada um no seu quadrado! (círculo, hexágono, triângulo, ...)

Devaneios de aula

Distância das coisas. Reflexão da reflexão.
Ser for assim, essa não sou.
Ao invés da distância, proximidade, paixão.
Nervos à flor da pele. raiva. explosão.
Emocional aflorado. Se antes defeito, qualidade.
Se antes qualidade, defeito. Não há consenso.
Vejo o silêncio como quem consente, acomoda, conforma.
Eu prefiro não.
Prefiro não me acomodar, calar, consentir.
Às vezes prefiro não dizer, gritar, expressar.
Se antes certeza, agora insegurança.
As palavras correm antes que cheguem aos lábios.
Maratona de significados. Soltos, incertos, inseguros.
Viver é lutar e viver esmaga. Desvaloriza. Derruba. Assassina.
Um dia após o outro. levantar, cair e levantar.
Alguns dias no chão, outros de pé.
Mas necessário. Sinto-me um mal necessário.
Provocadora. Coringa. Incendiária.
Aquela que é aprisionada no final da confusão.
Aquela sozinha, solitária, isolada.
Mas viva. Intensa. Completa incompleta.
Aquela que grita diante da multidão calada.
Ainda prefiro ser.
Porque sendo, sinto. Melhor que o silêncio, o vazio, o nada.
Melhor ser algo.
Prefiro a marca, a cicatriz, o rasgo.
Prefiro as rugas mapeando a face, marcando o tempo.
Não que não me apavore, mas aceito.
Não que eu não resista, mas tento.
Não que eu não deseje o contrário, mas entendo.
Adrenalida de face rosada. Voz exaltada.
Vontade de agredir, ferir, chutar, gritar, chacoalhar.
Instinto pulsando na veia.
Não quer vir junto, fica. Fica!
Como o tempo, não espero. Sigo sozinha.
Antes só do que mal acompanhada, mas quando só, tristeza.
Busca incansável por um lugar, um ideal.
Tormento sem perspectiva.
Chama de fé. Quente, reluzente e forte.
Adredito em algo. Sigo cegamente. Preciso.
Determinada, permito impulsos e vontades.
Mal necessário. Sinto-me mal necessário.
O tempo todo, constantemente.
Em raros momentos, um grande e largo sorriso se acende!

III Seminário de Pesquisa em Mídia-Educação

Quando se tem como formação o cinema e quando se faz um mestrado em educação, voltado para o cinema, o que se espera de um evento em mídia-educação, é a presença das mídias.

Auditório da Educação Física, abertura lotada de interessados, telão, vinheta, apresentação musical. Falas engajadas, amadas, odiadas, mas sábias.

Segundo alguns, a "nata" da pesquisa em mídia-educação estava presente, porém como participante-assistente, esperava mais.

Mais mídia.
Mais imagem.
Mais demonstração que fala.
Mais domínio que discurso.

Aquela estrutura de sempre se manteve: palestrantes atrás de uma mesa/cadeira, alguns slides no powerpoint, letra preta em fundo branco, e longas considerações.

De uma abertura cheia, nem metade permaneceu de tarde e igual ou menos, no dia seguinte.
Dois dias, uma proposta interessante, uma tal "nata" presente que não foi ruim, mas podia ser melhor, devia ser melhor.

Acredito que a transformação em mídia-educação (educação para, com e sobre os meios) só poderia ocorrer quando aquele que se propõe a pesquisar for exemplo e deixar de apenas citar exemplos.

Enquanto houver professores que apenas falam como fazer, os alunos continuarão apenas falando como fazer e o "fazer" deixará de ser uma prática para existir só na fala.

Sei que foi escolha de alguns não fazer uso de mídias, mas ainda assim, devia fazer.

O que teria Montaigne a ver com educação?

Livro: Introdução à Filosofia da Educação - Temas Contemporâneos e História

Síntese-Ensaio do texto:

FILOSOFIA, EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS E PAPEL DO PRECEPTOR EM MONTAIGNE

de Divino José Da Silva

Montaigne e seu tempo

Montaigne viveu durante a época do Renascimento (séc. XVI), período em que o homem desenvolveu uma nova percepção sobre a relação com o mundo e com os outros homens, e começa a atribuir a si mesmo a responsabilidade pela condução do destino. (preocupação com a formação do ser/o homem faz seu próprio destino/valorização da experiência sensível)

No lugar da certeza, a dúvida

Nessa busca pela formação do ser, percebeu-se que o homem é a chave para decifrar o mundo e as coisas. Percebeu-se que não há verdade absoluta e que o homem não sabe tudo, muito menos é o centro de tudo. E é na fragilidade de saberes constituídos em nome da verdade, que Montaigne apresenta contradições.

Mais uma vez, prevalece o discurso de que o homem “lê” o mundo a partir de sua experiência sensível. (Roland Barthes em “A morte do autor”) E nessa leitura ele coloca suas duas naturezas fundamentais: racional e irracional; consciência e inconsciência; bom e mau; divino e ciência, e é no conflito entre as duas que reside o equilíbrio. Montaigne diz que os impulsos influenciam na forma de ser (ética, moral, valores, cultura, etc), portanto cada pessoa interpreta/processa/percebe de forma diferente das outras.

Diante desta reflexão de que cada pessoa decifra o mundo e as coisas a partir de sua experiência sensível, Montaigne sugere que se desfrute de tudo sem necessariamente se submeter. Sugere conhecer, experimentar, investigar, não apenas imitar, mas buscar nas experiências, renovação eclética, política e moral. Que cada pessoa possa julgar as coisas e o mundo da sua maneira e o papel do preceptor (professor/educador) é justamente disponibilizar as ferramentas para esse fim.

Ensaiar a vida talvez. O autor diz que Montaigne foi o primeiro a usar a palavra “ensaio” para designar um estilo literário. Escrita que representa um modo de pensar a relação entre o “eu” e o mundo. Pode significar experiências, “jogo da imaginação e da inteligência”, “passeio fácil entre idéias e recordações”, “tentativas apenas esboçadas”, “um exercício de escrita, rascunho, algo não-definitivo”, talvez a própria significação de viver, sempre instável, montanha russa de emoções, entre altos e baixos, trajetória sempre inacabada. Ensaiar é interrogar o presente, expor a desconfiança, duvidar dos sentidos, idéias e verdades. Tudo é questionável!

A educação das crianças e o papel do preceptor em Montaigne

Sem certezas, como falar de educação? Tarefa difícil considera Montaigne, afinal se cada indivíduo constrói sua verdade e visão de mundo, como lecionar? Como direcionar o olhar?

Para Montaigne, a criança não deve ser submetida a decorar e memorizar, mas experimentar. O verdadeiro aprendizado está em fazer o aluno despertar o olhar, aguçar os sentidos, exercitar a capacidade de julgar, refletir, analisar com os próprios olhos. (talvez aqui resida o lugar da disciplina de Artes, responsável pelo despertar do olhar crítico, que observa, julga, analisa e reproduz. Que decodifica, desconstrói, reconstrói, reproduz releituras).

O papel do professor/educador é estimular o aluno a elaborar a consciência de si mesmo diante do mundo. Talvez ensinar a filosofar, refletir. (é possível?) Colocar um pouco de si mesmo no “outro”, nas coisas, no mundo, e nessa mistura, apresentar um novo olhar, uma nova forma de pensar, sem buscar uma verdade absoluta, talvez apenas buscar, apenas tentar, procurar, investigar, afastar/aproximar.

Ainda que o professor possa estimular o despertar do olhar, para Montaigne cada criança é diferente uma da outra, portanto não pode haver apenas uma maneira de ensinar, não há uma lição que possa ser aplicada da mesma forma para todos.

A educação (ideal talvez) necessita de flexibilidade, pois não é o conteúdo o que mais importa, mas o processo de construção do aprendizado, o despertar do olhar, o percurso do saber. (e às vezes esse saber demanda tempo, maturidade, processamento, associação, experimentação...)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

SOBRE TELEVISÃO - O mito não pára

Por Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl em 27/7/2004

Introdução de Videologias: ensaios sobre televisão, de Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl, 252 pp., Boitempo Editorial (www.boitempo.com), São Paulo, 2004; intertítulos da redação do OI

Mitologias, de Roland Barthes, acaba de ser reeditado no Brasil pela Difel. Mais que atual, o livro se confirma profético. Escrito entre 1954 e 56, publicado na França em 1957, o exercício semiológico de Barthes tem como objeto o sistema de signos que compõem o imaginário das sociedades industrializadas (re)trabalhado pelos meios de comunicação de massa. Estes eram representados sobretudo pela imprensa e a publicidade, já que a televisão, na década de 50, ainda era uma mídia de pouco alcance comparada ao cinema, aos jornais, às revistas e aos outdoors. Hoje, a televisão, acima de todas as outras mídias, ocupa o lugar da grande produtora de mitos e parece estar aí só para dar razão a Barthes. A ela, exclusivamente, dedicamos nossa atenção nos ensaios que compõem Videologias. A referência-homenagem ao livro de Roland Barthes não poderia ser mais explícita e mais necessária.

Não se procure pela origem do termo videologia. É um trocadilho um tanto fácil, que alguém poderia ter achado antes de nós, embora não tenhamos registro disso. De um modo ou de outro, não nos pretendemos inventores da palavra. Apenas consideramos oportuno trazê-la ao debate no alto de um livro como este. Aqui, essa palavra, mencionada apenas num dos ensaios, acaba servindo como elemento provocador (oculto) em cada parágrafo, como um fantasma a assombrar o texto. A palavra videologia é um trocadilho em aberto, cujo significado se consuma quando contraposto ao significado das mitologias barthianas ou ao significado do termo ideologia. Vivemos uma era em que tudo concorre para a imagem, para a visibilidade e para a composição de sentidos no plano do olhar. É nessa perspectiva que falamos em videologia, ou seja, na perspectiva de que a comunicação e mesmo a linguagem passam a necessitar do suporte das imagens num grau que não se registrou em outro período histórico. Os mitos, hoje, são mitos olhados. São pura videologia.

Voltemos então às mitologias, ou melhor, voltemos às mitologias tal qual elas se condensam nas palavras. Embora Barthes não diga isso exatamente nesses termos, podemos afirmar que as mitologias sacralizam certas mensagens, tornando-as pequenos objetos de significação inexpugnável. Dão a essas mensagens uma imobilidade que ao mesmo tempo é problema e solução: é problema porque a palavra que não se move morre, como bem avisava Bakhtin; ao mesmo tempo, é solução, um anestésico que conforta o humano confinado na prisão da linguagem. A palavra mitificada talvez se enrijeça na sua condição de palavra, mas revive sempre na sua condição de mito.

Sacada de Flaubert

Não há sociedade que se sustente sem formular sua própria mitologia. O mito, no sentido tradicional, é o sistema criador de significações "indiscutíveis" (Barthes), que mascara o desamparo humano no reino da linguagem. A linguagem é a morada do homem, morada insegura. Sem o mito, ela não seria suportável. A linguagem, em vez de uma fortificação sólida e protegida, oferece no máximo uma tenda, prestes a ser desmontada a cada vez que seu ocupante sai em busca de sítios mais abrigados; uma tenda sujeita à ação dos ventos e das tempestades da história e dos abalos sísmicos do poder. Sabemos – na modernidade, mais do que nunca – o quanto é arbitrária a relação entre significante e significado; sabemos que as significações não foram atribuídas por Deus às coisas criadas, mas que são obra do acaso operando nas relações humanas. Não há um referente último que assegure, de um lugar fora da linguagem, a estabilidade das significações. A linguagem, de fato, é um lugar angustiante.

No início do século XX, Saussure identificou um deslizamento entre o significante e o significado. Um patina sobre o outro, sempre, deslocando os sentidos; o que não era passa a ser, deixando de ser no instante seguinte. Significantes e significados, como amantes fugidios, entregam-se e escapam-se, sem que se saiba direito por quê. No momento preciso em que há uma fixação de um sobre o outro, cristaliza-se a ideologia. O sujeito tem a sensação de que coisas fazem um sentido! Claro: sentido ideológico. A ideologia se movimenta justamente sob a paralisação do significado sob o significante (ou sobre, tudo é uma questão de ângulo), que produz o que Roland Barthes chamou de naturalização das significações, com a perda de seu caráter histórico e contingente. É interessante também pensar que o mito sustenta essa paralisação. Uma e outro, ideologia e mito, escondem do sujeito essa condição inevitável, a de que tudo é transitório, e tudo o que concerne ao homem é de responsabilidade dos homens, das relações de troca e de poder entre humanos. Tudo, inclusive ele, o sujeito que, como define Lacan, nada mais é que um significante à deriva.

Desde sempre, os significantes transitam sem cessar. Michel Foucault dedicou As palavras e as coisas ao exame dos deslocamentos sofridos pela relação entre a linguagem e a verdade, desde o final da Idade Média no Ocidente. Tudo passa. Não existe, de fora da linguagem, um significante sólido que garanta a relação do conjunto dos significantes com a verdade das significações. Durante séculos, a humanidade apostou no nome de Deus para fazer esta função. "Não existe o Outro do Outro", disse Lacan em um de seus célebres aforismos, indicando que o homem não está desamparado apenas frente à natureza, mas no seio da linguagem. Por isso o mito necessariamente cimenta as estruturas de qualquer sociedade, pois fornece um suporte imaginário ao desamparo dos sujeitos na linguagem. No sistema de mitos próprio de cada cultura, o homem está "em casa".

O mito oferece um conjunto de conceitos indiscutíveis, de pouca ou nenhuma ambigüidade, compartilhado por todos os membros de um grupo, de modo a produzir, se não uma verdade, ao menos aquilo que Gustave Flaubert chamava "éffect du réel". Flaubert, escritor realista sem nenhuma ingenuidade a respeito da relação entre a arte e a "realidade", sabia que o real, para o homem, é um efeito do uso da palavra. Seu Dicionário das idéias feitas talvez seja um precursor intuitivo, sem aporte teórico explícito, das Mitologias do século seguinte. Nele, o autor descreve com grande senso de humor o sistema de "conceitos" de que o burguês oitocentista se valia para sentir-se confortável diante de tudo o que não fosse ele mesmo. O Outro nomeado pelas "idéias feitas" poderia ser a plebe ameaçadora, a aristocracia invejada, a natureza, a arte, a poesia que o burguês não conseguia alcançar, ou seus próprios afetos recalcados. O sistema de signos que o Dicionário de Flaubert analisa pelo simples recurso da ironia tinha a função de instalar aquela classe emergente num lugar seguro de onde o poder poderia ser exercido com maior eficiência, através do domínio dos códigos que regem o laço social. Quando um conjunto de significações que sustentam os sujeitos no campo simbólico se "naturaliza", o poder atinge sua máxima eficácia. Flaubert percebeu a operação que articulava os artifícios do uso da língua à acomodação de uma nova classe dominante em seu lugar recém-conquistado, na segunda metade do século XIX. Percebeu – e nisso consiste seu realismo – como é imenso o poder da palavra.

Poderes soberanos

Cem anos depois, Roland Barthes vem denunciar o truque: "O mito é uma fala roubada e restituída. Simplesmente, a fala que se restitui não é a mesma que foi roubada: trazida de volta, não foi colocada no lugar exato. É esse breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que constitui o aspecto transpassado da fala mítica". Uma fala roubada. Mas roubada de onde? De quem? Por quem? Talvez, roubada da espontaneidade das práticas falantes que se instauram por ensaio e erro, entre os agentes sociais, tentando simbolizar os aspectos do real que se apresentam, sempre renovados, diante de nós.

Ora, eis aí uma descrição nada ruim do que faz a televisão: rouba falas (verbais, visuais, gestuais), todas falas "naturais", e as devolve aos falantes. Como se ela mesma, televisão, fosse uma falante – o que aliás ela é, mas isso não vem ao caso. Uns ainda crêem que a TV "influencia" a platéia, como se ela desse ordens de conduta para a platéia, como se fosse urdida, arquitetada, premeditada, num espaço exterior ao da própria linguagem compartilhada entre os falantes. Não é bem isso. Se a TV "influencia", ela influencia exatamente na medida em que precipita o mito, que já estava lá, na fala roubada, pressuposto. Em outras palavras, a TV só influencia porque é o elo que industrializa a confecção do mito e o recoloca na comunidade falante. A TV não manda ninguém fazer o que faz; antes autoriza, como espelho premonitório, que seja feito o que já é feito. Autoriza e legitima práticas de linguagem que se tornam confortáveis e indiscutíveis para a sociedade, pelo efeito da enorme circulação e da constante repetição que ela promove. A TV sintetiza o mito.

E quem controla a TV? Quem é o gerente da usina contemporânea dos mitos? A resposta aponta obrigatoriamente para o poder. Mas o poder não é bem o poder político, tal como ele costuma ser pensado, nem é também o poder de um grupo reduzido de homens sobre o conjunto da sociedade. O poder é algo mais industrial, ou superindustrial, como diria Fernando Haddad. O poder pode ser melhor descrito, hoje, como o mecanismo de tomada de decisões que permitem ao modo de produção capitalista, transubstanciado em espetáculo, a sua reprodução automática. O poder, portanto, é a supremacia do espetáculo – a nova forma do modo de produção capitalista, como descobriu Guy Debord, nos anos 60 – sobre todas as atividades humanas. O poder, enfim, é a gestão do espetáculo pelos seus encarregados que, no entanto, não são seus autores mas seus subordinados.

Os homens é que fazem a língua, por certo, mas não a fazem como querem. Ninguém é "autor" da língua. Os sujeitos sociais não cessam de testar os limites da língua, transgredir suas normas, subverter o sentido dos termos de modo a adequá-los a novas necessidades expressivas. Este processo é inconsciente. O mesmo se pode dizer da gestão dos sujeitos que gerenciam imaginariamente a indústria que sintetiza a videologia – a mitologia da nossa era. A televisão funciona segundo processos inconscientes, tanto da parte dos emissores como da parte dos receptores, embora essas duas categorias sejam meras convenções imaginárias. As "novas necessidades expressivas" só se tornam (relativamente) conscientes quando advém à palavra – mas aí talvez percam a graça e sobretudo a força, quando repetidas incansavelmente no repertório da TV. Os homens fazem a língua? Seria mais adequado dizer: a língua se faz através da fala dos homens. Os homens fazem a língua antes de saber o que dizem. Os homens fazem e consomem a televisão sem saber o que desejam.

É desse lugar das palavras e das significações, renovadas e estabelecidas fora do controle consciente dos agentes sociais, que o mito "pesca" (para não usar o termo "rouba", pleno de conotações morais negativas) as falas que vai instaurar em um outro lugar. Claro que o mito não é o sujeito dessa operação, e sim o seu produto. A apropriação das falas pelo mito, como já alertamos aqui, é feita pelos agentes do poder.

A afirmação parece excessivamente maquiavélica? Nem tanto. O ponto fundamental é que nenhuma estrutura de poder, da mais centralizada à mais democrática, das mais arcaicas às mais modernas, pode se sustentar se não for capaz de produzir algum tipo de engajamento subjetivo daqueles que ela submete, organiza, explora ou protege. A passagem do poder soberano ao poder disciplinar representa um aperfeiçoamento nesses recursos, mas não significa que os poderes soberanos se sustentassem exclusivamente pelo uso da força. Mesmo os monarcas absolutistas contavam, no mínimo, com o referendo divino e a chancela da Igreja, produtora milenar de mitos no Ocidente, para produzir entre os súditos o que La Boétie chamou de servidão voluntária.

Tarefa crítica

A diferença está no tamanho do deslocamento que a significação percorre, desde o lugar de onde foi gestada e roubada até aquele em que se instaura como mito. Em sociedades menos estratificadas, como a Grécia pastoral ou algumas tribos ditas primitivas, o contador de histórias, o poeta, o xamã podem estar muito próximos e partilhar das mesmas necessidades expressivas do conjunto dos outros agentes sociais. Os mitos, por sua vez, seriam muito mais estáveis, transmitidos de geração a geração com pequenas alterações, nessas sociedades que Georg Lukács chamou de "fechadas" nas quais sua função confortadora era contar a história das origens, de modo a dotar de sentido a ordem presente.

Nas sociedades de corte emergente na Europa dos séculos XIII e XIV, os reis chamavam a seu serviço alguns letrados que desempenhavam papel de cronistas: sabiam que não só sua imortalidade como seu prestígio em vida dependiam, mais do que das terras conquistadas e da força de seus exércitos, das lendas que se criariam em torno de seus nomes.

A genialidade do Barthes foi ter percebido a particularidade da relação entre o mito, as necessidades expressivas e o poder, no contexto das sociedades industriais modernas. Voltando à sua proposição: o mito é uma fala "roubada" das falas emergentes – geradas pelas relações horizontais entre os humanos – pelos agentes do poder, que não necessariamente sabem o que estão fazendo. Essa fala é restituída a um outro lugar: o lugar dos códigos estabelecidos e "naturalizados", que contribuem para estabilizar o laço social dotando de consistência imaginária aquela parcela de renúncia exigida de cada sujeito que participa de uma sociedade.

A particularidade da mitologia contemporânea é o seu caráter industrial e inteiramente impessoal. Na modernidade, o engajamento subjetivo que sustenta o poder é cada vez mais consistente e inconsciente. O sujeito, agora, entendido como o sujeito que põe em marcha o processo de reprodução do capital e que põe em marcha, também, as institucionalizações necessárias à reprodução do capital, é o próprio capital, agindo como o que se pode chamar de sujeito automático. O capital é o sujeito que sujeita a todos os outros. Só que este sujeito age a partir de um lugar que é, ao mesmo tempo, todos os lugares e lugar nenhum. Quanto aos indivíduos, se tomados como sujeitos, pode-se dizer deles que, neles, a fala do Outro e o desejo do Outro, isto é, a fala e o desejo que os formata, são, cada vez mais, a fala e o desejo do capital agindo como forças inconscientes. Os indivíduos são sujeitos inconscientes do capital. Num período em que o Estado nacional se enfraquece sob o impacto do mercado globalizado, é o capital quem dirige o processo, acima das nações – que hoje debatem como se integrar, e não mais como liderar. A força militar e econômica da potência única de nossos dias, os Estados Unidos, expressa não a supremacia de uma nacionalidade sobre as demais, mas os desígnios de uma indústria sobre todas as outras e sobre todos os povos: o espetáculo. A tirania da mercadoria se exponencia na tirania da imagem da mercadoria. O capitalismo contemporâneo é um modo de produção de imagens. Aí, o poder político é uma espécie de despachante do modo de produção. Mais do que antes, mas muito mais do que antes. Se, no século XIX, a questão era desmascarar o caráter burguês do Estado que se apresentava como universal, agora, no século XXI, a questão é compreender e decifrar os mecanismos pelos quais toda política, assim como toda religião e toda ciência, toda cultura e toda forma de representação, convergem para a imagem, como partes do modo de produção de imagens, e só circulam e só adquirem existência como imagem. Essa indústria é a produtora das videologias. A tudo o mais ela subordina.

Os textos que apresentamos a seguir tentam dar conta de uma pequena parte da tarefa de tornar consciente o que opera, na sociedade, a partir das forças inconscientes do capital. Esta é uma tarefa crítica e, sobretudo, política.

Fonte original: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=287AZL003

O exercício de Gilka

(em breve)

Fazer ciência ou intervenção política?

Pergunta no quadro.
Apenas uma alteração resume:

R.: Fazer ciência E/ou intervenção política.

Mitologias de Barthes - Sou produtora, mitóloga ou leitora?

Pretendo neste post, fazer reflexões sobre textos do livro "Mitologias" de Roland Barthes (1956).
Digo textos, porque esgotei meu pensamento com os primeiros (da luta livre aos brinquedos) e resolvi partir para o último "O Mito - Hoje".
Leitura esta, causadora de dores-de-cabeça (intelectuais, se possível) e intenso cenho franzido.
Faltaram exemplos. Não os dele, mas exemplos que eu pudesse entender melhor.
Confusão de ideias, conceitos e reflexões. Leitura difícil. (pergunto-me se só foi pra mim!)
Enquanto lia, só me perguntava se eu era produtora, mitóloga ou leitora de mitos.
Diante da experiência na graduação, deduzo que apenas leitora.
Fui bastante resistente em resistir.
Eu gosto dos brinquedos de plástico e filmes tolos. Qual o problema?
Talvez aqui resida a minha melhor oportunidade de falar de um mito contemporâneo (se ele existe de fato), o mito do estudante de cinema. (ou do estudante universitário em geral ou do mestrando em geral).
Primeiro, vamos ao mito de Barthes, começando pela pergunta básica: O que é mito?
Recortando seu texto, aplicando a morte do autor, nascimento do leitor (eu), entendo por mito uma ideologia. (vou tentar facilitar) Mito é uma fala, mas não qualquer, uma fala que necessita de condições especiais para que a linguagem se transforme em mito. É um modo de significação, uma forma. Tudo pode constituir um mito (podemos falar das coisas livremente), se houver possibilidade do discurso, afinal o mito só pode acontecer quando o objeto já tem definição e sentido prévio, pois o mito deforma um sentido já existente. Dá um novo sentido.
Um mito pode ser antigo, mas não necessariamente eterno.
Depende da História, pois é nela que se constitui.
Baseia-se em transformar História em Natureza. (eu arriscaria dizer que é transformar hipótese em verdade absoluta, mas como ele não disse isso, só arrisco dizer)
O mito não é o real, propõe o irreal como real.
Não se define pela mensagem do objeto, mas pela maneira como a profere.
Mito é um valor, uma metalinguagem, uma significação.
Toda significação recorre à semiologia, que eu sintetizaria na relação entre significante (objeto, imagem, vazio), significado (conceito) e signo (sentido).
O conceito do mito ao sentido é a deformação.
Seu ponto de partida é o ponto terminal de um sentido.
É apropriação do conceito, é fala roubada, destituída, despolitizada.
Possui motivação, recorre à falsa natureza.
Tem efeito imediato, na leitura esgota-se na primeira vez.
Mito é uma fala excessivamente justificada. É o senso comum. (é?)
Diante do que é mito, Barthes oferece três definições da relação do homem com o mito:
1.Produtor do mito (parte de um conceito e procura uma forma pra ele)
2. Mitólogo (decifra a deformação e a compreende)
3.Leitor do mito (vive o mito como uma história verdadeira e irreal - senso comum, talvez?)
Inevitável perguntar-me: quem sou eu diante do mito?
Barthes parece ser indiscutivelmente o mitólogo. Produtor talvez? Também.
E eu, pareço ser a leitora. Aquela que vive o mito. Entrega-se a ele. Delicia-se.
E sinto culpa de não sentir culpa nenhuma. Deveria sentir culpa?
Deveria sentir culpa de acreditar nos mitos? De vivê-los?
Ao renegar não me torno um mito também? Como aconteceu com o surrealismo?
Com o não-grau zero? Com a esquerda (que não é revolução)? Direita, reto, frente, atrás?
A esse ponto, sinto que entendo Barthes. Entendo sua preocupação e ainda prefiro não.
Prefiro não resistir. Prefiro não habitar lugar nenhum.
Nem cult ou não-cult. Só eu.
No ato de desmitificar, reside o mito.
Ao fazer cinema, espera-se que eu entenda de cinema, faça cinema, veja cinema, o tempo todo, por completo e eu simplesmente não sou só isso. Pareço carregar um fardo de ter visto todos os filmes que existem, quando vi os que me interessavam. Vi os que eu queria ver. E que o tempo e espaço me permitiram ver.
Se não me interesso por determinado filme, movimento revolucionário, diretor, ideologia, não sou merecedora de estudar cinema? Como o arquiteto que não desenha tão bem, ou o médico que escolhe apenas uma especialidade?
Na terras dos estudos, sempre se espera algo. Um perfil, uma atitude.
Ou até uma não-atitude. Uma resistência talvez.
Eu poderia falar de muitas coisas, (se é que sei identificar algum mito) como os programas "Pânico na TV" e "CQC" que se propõem, de uma certa forma, a desmitificarem o mito das estrelas/celebridades (em suas posições de status, referências na moda, padrões de beleza, ícones da perfeição, mistificados pela mídia) colocando-as em situações reais, naturais, ou pelo menos, situações distantes dos imaginários coletivos, constrangeando-as, ridicularizando-as, provocando-as, mostrando um lado até então desconhecido. Mas ao fazer isso, cria-se um novo mito, um novo sentido, um novo padrão, repetido e esgotado incansalvemente. Cria-se uma nova natureza, quando não passa de história, de irreal, de imagens manipuladas, porque o real não existe no recorte, na edição, limitado por tempo e espaço definido. (não pra mim!)
O real é o real. Quando um espectador (como um leitor) se dispõe a colocar a sua leitura diante de um personagem (todos somos personagens diante das câmeras, sabendo ou não disso), não está lendo o real, está lendo o que quer ler.
Também poderia falar das tendências de moda, que se inspiram nos movimentos de resistência, ideologias e revoluções, criando modismos, como feito com o punk, hippie, indie. E logo, vestir-se de tal maneira, representa tal ideologia, descolada do seu sentido original, seu contexto histórico, esvaziando sua significação. E aquele que acreditava em tal ideologia, acaba cedendo, para não ser confundido com o senso comum. Deixando de se vestir como gostava ou acreditava, para não se render ao senso comum. Até esta postura, foi mistificada. Na roupa, na maneira de se vestir, agir, chorar, sentir.
Poderia falar de muitas outras coisas, como a linguagem permite, mas em tudo parece haver o vazio. Se não agora, possivelmente depois. E o que parece realmente importar para alguns diante desta constatação é a necessidade da revolução. Que nunca se transforma em mito, pois quando se transforma, deixa de ser revolução.
Lendo novamente o título, questiono-me novamente? Quem sou eu no mito de Barthes?
Sou a produtora, a mitóloga ou a leitora? Talvez os três, não sempre, nem ao mesmo tempo.
Talvez eu ajude a produzir, decifre em alguns momentos e viva intensamente os mitos em outros. E continuo me perguntando, qual é o problema?


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O papel do mestre e do ensino em Agostinho e Tomás de Aquino – regar a semente

(sobre textos já lidos, para próxima aula de Teorias da Educação - 15/09/10)

Livro: "Introdução à Filosofia da Educação - Temas contemporâneos e História" - vários autores - organizado por Pedro Angelo Pagni e Divino José da Silva - R$41,00 em 3x (porque "mestrar" custa caro e livro é pra sempre!)

Texto: Parte 2 - "A filosofia, o papel do mestre e a educação humana: Retrato do pensamento medieval e renascentista"

Capítulo 4: "Sobre o papel do mestre e do ensino em Agostinho e Tomás de Aquino" por Marcos Roberto Leite da Silva

Detalhe: grifos com caneta fluorescente azul e asteriscos nas partes importantes.

Vou falar das partes importantes. (ou dos asteriscos)

Segundo Silva, "os autores foram escolhidos pelo critério de importância nos respectivos momentos históricos." Agostinho, por fazer parte da era Medieval, com o intuito de estender o cristianismo. E Tomás, num período de efervescência intelectual, no intuito de pacificar a inquietação juvenil. (tocada por novos conhecimentos, diante da cristandade). O nascimento da escola? Talvez.

Agostinho então pretendia evangelizar a sociedade. Pretendia conciliar fé e razão, sem associar o aprendizado à violência, coisa que foi submetido a fazer em sua juventude. Aparentemente contrário aos castigos e crueldades impostas para aprender o grego e suas fábulas, Agostinho via nas palavras em latim das amas (escravas?) o verdadeiro aprendizado. Não porque não era obrigado, mas porque dispunha sem pressão aos ouvidos, tais palavras e assim, depositava suas próprias impressões. Aqui, reside a reflexão pessoal? Depósito de repertório único? Escolha do caminho?


"Nesse ambiente, diz Silva, pensar o conhecimento é pensar um despertar humanizador das verdades divinas aos quais todo homem pode aceder. A alma do homem é o verbo e Deus é a luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo", portanto assim como em Platão, aprender é recordar, mas não a partir do mundo das ideias, e sim do despertar do intelecto para os conteúdos da iluminação divina. Despertar o saber. Então, assim como Deus, que se comunica com as palavras certas, deve o educador discernir a palavra adequada. Deve despertar o saber no aprendiz, no aluno. (de novo, promover a reflexão?) Mas saber que reside no bom e no belo, portanto na verdade.


O educador deve conhecer seu alcance e sua estrutura para optar pela palavra em sua ação educativa. O educador deve deixar vir?


Entre tantos asteriscos azuis grifados no texto, recortes soltos - como letras aleatórias em sopa de letrinhas - se unem e ganham novo sentido num novo contexto. Estava eu aqui citando, recortando o texto e minha escrita preferiu soltar-se. Citando Agostinho só consigo pensar em questões atuais e como sua visão sobre educação, é atual, ainda que voltada para o cristianismo. O autor vê isso e eu também vejo.


Passagens como "é interiormente que o conhecimento se processa" só reforça a ideia de semear o conhecimento no aluno. Não plantar, mas semear. Não abrir um buraco e jogar uma planta pronta, virtuosa, do nosso jardim docente, mas depositar uma sementinha e regar, esperando, torcendo para que ela floresça. O esforço é maior. Regar, proteger do vento, do sol, das pragas. Ter paciência, fé, esperança. É frustrante, mas é possível.


Agostinho defende a paixão do educador, a pouca fala, a melhoria da exposição, a centralidade do e no aluno, a formação do educador, o material a ser usado e o lado sensível, associado ao bom e belo de Platão, mas principalmente ao lado onde reside Deus, o cristianismo, a fé. E somente semeado, o saber é despertado. Tendo conhecimento, a vida humana torna-se virtuosa, boa e bela. Pois a iluminação divina se dá no intelecto. Aqui vale questionar, o conhecimento é sempre bom e belo?


O conhecimento não dá poder? Não é com ele que os fortes oprimem os fracos? Não é na ignorância que os povos são manipulados e controlados? O grande problema da sociedade não é a falta de uma educação de qualidade?


Estes questionamentos fazem-me pensar em como as reflexões, colocações de Agostinho, na visão de Silva, reforçam o papel do educador de semear. De fato, o conhecimento ilumina, mas é de fato onde reside somente o bom e o belo?


Se todos tivessem o mesmo nível de conhecimento, talvez não existisse a injustiça. Pois não existiria minoria e nem maioria. Se todos se unissem para lutar pelos seus direitos, fizessem uso das armas e técnicas, depusessem um governante mal intencionado, talvez não existisse injustiça. Mas sem injustiça não haveria revolta, pois a injustiça ocorreria com o governante mal intencionado, que já não poderia existir se todos tivessem o mesmo nível de conhecimento.


O nível de conhecimento estaria então associado à idade? O bom e belo seria adquirido com o passar dos anos como aprendiz? É bom e belo o mais velho? O educador?


Parece mais complicado analisar dessa forma. Surgem mais perguntas que respostas. Que bom então. Parece-me então que o papel do educador é contínuo. Semear. Não plantar. Sem começo, nem fim. Apenas meio. Onde habita o amor, palavra que une aquilo que é divino ao que é humano.


Diante da minha inquietação, trago reflexões sobre Santo Tomás, pois foi na inquietação juvenil de sua época, que se reconheceu a necessidade de critérios mais racionais para se aceitar a fé. Pode o homem ensinar e ser mestre, ou só Deus? Pode alguém ser chamado “o seu próprio mestre”? Pode o homem ser ensinado pelo anjo? É ensinar função da vida ativa ou da contemplativa?


Na visão de Silva, São Tomás associa o conhecimento intelectual à experiência sensível. O conhecimento está fora de nós e não dentro. Ou seja, não precisa ser despertado. E sim, percebido. Ou seja, é o intelecto que deve ser despertado, o lado sensível, para perceber o conhecimento que está disponível. A experiência produz o conhecimento. Seria dever do mestre, do educador, estimular potencialidades no aprendiz por própria vontade e empenho. Pois todo homem, pode desenvolver, por si mesmo, suas potências. Aqui vale comentar sobre as experiências práticas de Artes na escola. Não é porque o aluno não é estimulado a desenhar que não possa desenvolver individualmente essa habilidade. São vários os casos de crianças que se tornam habilidosos adultos desenhistas, por vontade própria, sem ter tido qualquer estímulo na escola. Mas quando feito na escola, é ainda melhor. Ou alcança uma fatia maior de jovens criativos.


Cabe colocar, segundo Silva, “que o homem não pode ensinar de modo perfeito a si próprio, mas possui excelentes meio de aprender, com o auxílio dos mestres”. Como é o caso dos adultos habilidosos desenhistas que citei anteriormente, que procuram em outros meios, aprimorar técnicas de desenhos, quando não estimuladas nas escolas. Fazendo cursos paralelos, observando técnicas diferentes, cursando faculdades de formação específica e encontrando em outros meios, mestres. “O homem não pode ensinar a si próprio, mas é aluno eficiente, capaz de conhecer.” Dito isto, parece realmente possível o homem ensinar, ser mestre e ser seu próprio mestre.


O homem teria então uma potencialidade ativa para conhecer, derivada de uma unidade do ser. O ser é também pensar e querer. Não é estático, mas autopresença. Aprender então é uma atividade própria do ser. Atividade peculiar do aluno. “O professor é alguém que aproxima ou desperta, no aprendiz, o interesse, enquanto o ajuda por experiência a evitar os desvios de uma ciência menos perfeita”. O aluno é o ser ativo, centro do sistema educativo. Não bastam palavras, é necessário sentido a partir da experiência pessoal. O aluno precisa se interessar e experimentar para aprender.


Ao meu ver, o encontro entre Agostinho e São Tomás não é contraditório, mas complementar. Para um, o conhecimento é interior, e cabe ao mestre despertar este conhecimento no aluno, por vontade própria, considerando suas condições particulares e individuais (estaria aqui a diferença entre os seres e a impossibilidade da justiça absoluta?). E para o outro, o conhecimento é despertado de forma ativa pelo aluno. Ele participa do processo de ensino-aprendizagem, e também cabe ao professor orientar, conduzir, despertar as habilidades e potencialidades do aluno para o saber, para o conhecimento. A palavra não é suficiente, é necessário vivenciar, experimentar.

Encontrinhos de corredor

Como assim?
Como assim encontrinhos de corredor?
Tudo assim.
Não há melhor ocasião para o diálogo e a troca, como os encontrinhos de corredor.
Dividir frustrações sobre o texto que não se entendeu.
(deveria ter entendido? assim de primeira?)
Perguntar sobre a tarefa da aula tal.
Comentar sobre a aula de fulano. Quais os próximos textos?
Discutir um conceito que não se discutiu na sala.
Citar informalmente outros autores.
Falar da experiência docente.
Questionar datas, regras, regimentos e posturas.
Conversar de tudo um pouco.
Quebrar o gelo.
Enfim...não há melhor ocasião para o diálogo e a troca, como os encontrinhos de corredor.
Melhor forma de se aproximar dos colegas, mesmo os mais solitários, como eu.
Melhor maneira de pontuar um texto, antes mesmo da aula começar, e sentir mais segurança nas colocações que pretende fazer em sala, afinal - como nas comunidades do orkut - alguém também pensa (ou não pensa) como você.
(falei das comunidades do orkut porque eu achava que só eu via o coelhinho na lua! que ingênua!)
Melhor ocasião para conhecer alguém melhor, perguntar um pouco sobre a vida, dividir as frustrações comuns do mestrado, falar da bolsa, dos gastos, prazos, sonhos, projetos, experiências.
Encontrinhos de corredor deveriam estar no currículo, como carga horária obrigatória. Não?
Deveriam ser validados pra alguma coisa então.
São tão úteis, mesmo em suas aparentes inutilidades.
Tão cativantes e comuns. São obrigatórios.

Você! (estou supondo um leitor)
...que nunca teve um encontrinho de corredor, tenha-o!
É fácil! Chegue um pouco antes da aula, fique por perto da sala, do prédio, dos colegas e puxe assunto. Teça um comentário. Tire uma dúvida. Comente sobre o tempo. Faça alguma coisa!
E assim, você terá um essencial e necessário, encontrinho de corredor.

Ansiedade e medo

Prometi que escreveria este post. Prometi a mim.
Talvez já tenha caducado, mas vale a pena recordar.
Do que se trata?
Trata-se da divulgação do blog para os colegas e professores do mestrado.
Na semana passada, claro.
Primeiro...medo.
Aquele medo onde reside a coragem, porque coragem não existe sem medo.
Coragem é enfrentar o medo.
Neste caso, medo da rejeição, do pensamento contrário, do retorno das minhas ideias tolas (ou não tão tolas), dos fantasmas da escrita.
Criei o blog para mim, para praticar minha escrita, mas mentiria se também não tivesse criado para uma possível divulgação.
Criei na ânsia de dar vida aos meus pensamentos, através das palavras, já que nem sempre tenho ouvidos disponíveis. Pensamentos sobre tudo. Dedos frenéticos teclando na minha mente.
Escrever no blog é como falar em voz alta.
É como ter ouvidos sempre disponíveis. Mesmo que esses ouvidos não falem. Não retornem.
É como ordenar os pensamentos desordenados e refletir sobre.
É libertador e exercita a escrita. Ajuda na articulação.
Enfim, é ótimo e foi a melhor saída que poderia ter pensado para minha ânsia de falar/escrever.
Se em 2006, quando criei meu primeiro blog sobre cinema, esperava ansiosa por retorno, hoje eles nem me importam mais. É o que menos importa! (não que não importe)
Enxerguei novo sentido para a frase "Não deixe nada para depois, não deixe o tempo passar", (Pitty) citação musical que coloquei no fim do blog de cinema.
Eu realmente não deixei.
Não deixei que os menosprezos da graduação aos meus textos me intimidassem, ou que o fato de não haver coments, também.
Não esperei, não lamentei, segui adiante.
No lugar da ansiedade e do medo: segurança, liberdade, determinação.
Não há uma meta. Só um caminho. O caminho da escrita.
Então, após duas semanas deste blog, no qual escrevo, resolvi divulgar. Abertamente.
Para os professores, para sala, colegas, amigos, para estranhos curiosos (que ouvem conversinhas de corredor e se interessam pelo blog). Para quem interessado estiver.
E tive retornos. Bons. Deixaram-me contente.
Alguém viaja na maionese como eu! EeeeeEeeee
Mas quando vierem os retornos ruins, não desanimarei, tentarei estar preparada.
Errar é a melhor oportunidade de aprendizado. Então, que venham os erros também!
A sede continua. A inspiração também.
Que venham todos, dividir suas loucurinhas comigo! =)
Estarei sempre disponível!

Proibido para menores

por Alessandra Collaço da Silva


Quando vejo classificação/recomendação por faixa etária em algum filme, sempre me pergunto o que levou tal comissão, equipe e/ou responsável a determinar o que no conteúdo é impróprio para determinada faixa etária. Porque filmes como “Cidade de Deus” de Fernando Meirelles (2003), recomendado para maiores de 16 anos e “Tropa de elite” de José Padilha (2008), recomendado para maiores de 18 anos, tão assistidos pelos meus alunos de 12 e 13 anos, não são adequados, mas mesmo assim, ícones e referências, em suas produções audiovisuais. (eles adoram dizer: “perdeu playboy!”)


Em certa ocasião na escola, em uma semana de planejamento (comum nas férias escolares) deparei-me com um texto de Gardner que caracterizava o início do pensamento abstrato, por volta dos 12 anos. Ou seja, início de um pensamento que não se dá apenas na superfície, mas que começa a entender a subjetividade de conteúdos apresentados, talvez até entenda melhor sobre ironia, humor negro, sarcasmo, e que a violência dos filmes não está ali por si só (ou está?), mas para representar a construção de sujeito, de sociedade, de valores distorcidos, mas nem por isso valores que devam ser usados como referência.


Ao unir minha reflexão sobre recomendação para determinada faixa etária, com o pensamento abstrato que se inicia a partir dos 12 anos, segundo Gardner e o fato de que cada “leitor” do mundo coloca na sua leitura, o próprio repertório (escritura que destrói a origem), diria o mestre Barthes, deparei-me com um problema real: qual é o problema real? Classificar o filme não impede que este aluno, ainda sem a tal formação crítica, com seus 12 e 13 anos, tenha acesso ao conteúdo, tido como impróprio. E diante de uma era digital, jovens equipados das mais variadas mídias, principalmente as móveis, como celular e internet, têm acesso ao que bem entendem, se não no cinema ou na vídeolocadora, acessam pelo youtube ou na casa dos amigos. Essa constatação (se pode ser considerada constatação) me leva a crer que classificar o filme não tem uma utilidade muito clara, a não ser para os pais e educadores, que “maduros” e “sábios” sabem que tal filme não é adequado. Mas isso não significa muito para os jovens, pois se para mim, jovem recém formada, com pouca experiência docente, não era claro o que determinava a faixa etária, imagina para eles, imaturos pela própria imaturidade da idade.


E o pensamento abstrato? Tudo bem que eles talvez ainda não o possuam (como ter certeza de algo a essa altura?), mas não significa que não sejam capazes de reproduzir a leitura, ainda que superficial, que fazem dos filmes, vídeos, experimentos audiovisuais e afins. Então talvez o problema não deva “morar” no conteúdo impróprio, afinal alguma leitura eles irão fazer, pois sempre a fazem, mas sim na representação, na projeção, na reflexão (se é que ela acontece). Talvez o problema esteja no como. Como eles lêem?


Nesse caso, como professora de cinema, (aquela que ensina as técnicas de realização de um audiovisual, desde a ideia até a edição), sinto que devo deixar vir o repertório. Deixar vir as construções violentas, as distorções de valores, as tramas superficiais e personagens incoerentes. Deixar vir para então, talvez agir. Questionar e provocar esse aluno sobre sua proposta e sua construção em vídeo. Confrontá-lo, esperando argumentos (se é que isso é possível). Testar seu repertório. Porque é inútil querer controlar o conteúdo ou forçá-los a fazer filmes com mensagens positivas, moral da história e reflexões de adultos. (tipo: salve o planeta, proteja os animais, recicle) Isso é fingir que se ensina algo, pois a construção não veio de dentro. Se o que eles querem é construir a violência, é ali a melhor oportunidade de mediar o conhecimento, o pensamento. A reflexão tem que vir de dentro, ela não vem no livro, ou num exercício tolo, ou muito menos é plantada. Ela deve ser semeada e ganhar vida própria, como qualquer idéia que germina e contamina o pensamento ferozmente. A ideia deve partir deles e esse é provavelmente o maior desafio para o professor. E o maior problema ao lidar com mídia hoje. Como? Como fazer? Como usar essa leitura, muitas vezes distorcida, e promover a reflexão? Como instigá-los, provocá-los, semeá-los? Deixando vir?


Não defendo aqui a liberdade, mas a valorizo, pois todo leitor é livre dentro de sua prisão de repertórios. Prisão pela idade, pela oferta, pela procura, pelo conteúdo limitado e ilimitado, pela imaturidade, pensamento concreto, abstrato, pelo que nos define e não define. Prisão pelo conhecimento, que não é espontâneo (nos procura ou é procurado). Liberdade pela escolha, onde residem ideias, interpretações, distorções, expressões.


Os caminhos são muitos. Por isso, cabe ao professor, ao mediador, ao educador, deixar vir, para então, talvez, agir.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Próximos posts

Os dedos coçam para escrever, mas o tempo é fundamental para a escrita, portanto para não esquecer de coisas que quero escrever, coloco aqui assuntos que tratarei em breve:

Prontos na cabeça:

-Encontrinhos de corredor (sobre encontros de corredor - haha) OK
-O ensinar para Tomás e Agostinho (sobre textos já lidos, para próxima aula de Teorias da Educação) OK
-Fazer ciência e/ou intervenção política? (sobre última aula de Sem. Dis. ECO) OK*
-Referências no texto (sobre citações no texto e na fala) OK
-Ansiedade e medo (sobre expectativas e retornos dos colegas, amigos e afins sobre o blog) OK

Propostas futuras:

-O exercício de Gilka (falar da experiência prática do exercício que Gilka propõe em texto lido na aula de ECO, sobre escrita contínua/rascunho - que ainda não fiz - em três perguntas)
-Mitologias (livro - que ainda não li - para aula do Barthes) OK

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O médico e o monstro - bom x mau?

Aproveito minha reflexão sobre o filme "O Médico e o Monstro" de Rouben Mamoulian (1931), feita para o meu blog de cinema (www.allycenourinha.blogspot.com) e adapto quase na íntegra aqui neste blog, pois foi inevitável nesta escrita, não fazer relação com os textos que estamos vendo na aula de Teorias da Educação sobre Platão e seus conceitos sobre justiça, amor, medida e afins.


"O Médico e o Monstro" de Rouben Mamoulian (1931), é uma entre várias versões adaptadas para o cinema, do livro (título original em inglês: The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde) de Robert Louis Stevenson , publicado em 1886.

Cito uma passagem que extraí de um site, sobre o livro, para fazer o gancho com o filme:

"A história de Stevenson baseou-se na vida dupla de um habitante de Edimburgo, na Escócia, chamado William Brodie: de dia ele era um respeitado marceneiro; à noite, roubava as casas dos moradores da cidade.
A história se passa em Londres, no final do século XIX, centro urbano com quatro milhões de habitantes. Devido ao grande contraste econômico entre os industriais (cada vez mais ricos) e os miseráveis (cada vez com menos oportunidades de emprego e vida digna), Londres passou a ser palco de inúmeros crimes horríveis. Justamente por isso, em 1829, foi criada a Scotland Yard, que se tornaria mais tarde reconhecida por sua eficiência em resolver crimes e por tomar parte das inúmeras páginas das histórias policiais inglesas."
(Disponível em: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/o/o_medico_e_o_monstro

O filme de Rouben Mamoulian, é protagonizado pelo ator Fredric Marcha, que vive o personagem com dupla personalidade, Dr. Henry L. Jekyll - o médico e Mr. Hyde - o monstro.
Diante do progresso de Londres, o médico, noivo de uma bela dama, dialoga com seu amigo advogado, Dr Lanyon, sobre a possibilidade do homem possuir duas personalidades, uma boa e uma má. Por ser agente da ciência, Dr. Jekyll acredita ser possível extrair do homem, tudo que existe de ruim e assim, permanecer só o que é bom, como se um não dependesse do outro. Ele acredita na possibilidade, defendendo-se como um curioso, como o curioso e insatisfeito cientista que criou a lâmpada e colaborou para o progresso (que ele cita no filme), evitando deixar Londres às escuras ou dependente de mecanismos primitivos e limitados. Dr. Jekyll acredita nos sacríficios a favor da ciência, do progresso. (retrata esse pensamento ao deixar uma carta para a noiva, caso sua experiência científica dê errado).
Em vários percursos do filme, Dr. Jekyll confronta o amigo, promovendo a reflexão de que nele (e em nós espectadores) existem dois lados, do racional e irracional, daquilo que reside na consciência e inconsciência, do feio e de belo. Atitudes que controlamos e instintos incontroláveis. Mal natural que habita o feio, pois para Platão, por exemplo, o bom habita o belo (ou o belo no bom). E o amor deseja o belo. Não um belo, padrão de beleza, limitado e rotulado, mas o belo como conhecimento, verdade, sabedoria, justiça, medida, filosofia.
Dr. Jekyll então, ao permitir o conflito entre sua própria natureza, entre o que considera certo e errado, bom e mau, quando é seduzido por uma meretriz ao defendê-la de um cafetão, (sendo um bom homem) deixa fluir o desconhecido, o instinto, a paixão carnal, atração que inunda o racional, e acaba sendo confrontado pelo amigo advogado: "O que você está fazendo? Você é noivo!" Dr. Jekyll aproveita a deixa para reforçar seu discurso de que algo de tentador reside em sua natureza e provoca o amigo, afirmando que na natureza de todo homem é assim, portanto para combater o mau, basta isolá-lo.
Com isto, em suas experiências de laborátorio, Dr. Jekyll, cria uma "poção mágica" e faz de si uma cobaia, tomando a poção e sofrendo uma transformação física. No lugar do belo e bom doutor, surge um monstro (ainda que pictórico no filme, por ser antigo) mau e feio. Monstro que se considera livre, como livre nos sentimos ao saciar um desejo, ao seguir um impulso, ao perder o controle e seguir instintos. Lugar onde reside o prazer, a paixão, o irracional. Monstro dentro de todos nós, que precisamos controlar diariamente, para não nos desordenarmos diante das regras impostas pela sociedade. Não exatamente regras como "o certo," mas aquilo que permite a convivência civilizada (se é que ela é possível). Aproveito e cito Carl Jung, quando diz que o conflito entre duas naturezas fundamentais é necessário para o equilíbrio. (fazendo referência à consciência e inconsciência humana) É necessário conhecer-se por inteiro e saber lidar com os próprios conflitos, que sempre irão existir e fazem parte do crescimento pessoal como ser humano.
Dr. Jekyll então torna-se o monstro inconseqüente Mr. Hyde. E na experiência de liberdade, fica cada vez mais difícil para o médico, não tornar-se Hyde, pois o prazer aflora os instintos, e a curiosidade habita o homem.
Ao se deliciar com o mau, com o prazer carnal, como o homem e mulher que se rendem ao prazer do sexo e "traem" o compromisso formal assumido com seus companheiros e companheiras, o mesmo faz Dr. Jekyll com a noiva, ao deitar-se com a meretriz que antes o seduziu, enquanto era bom e belo. A meretriz que antes via somente o bom e belo no médico, passa a enxergar apenas o mau e feio no monstro, sem entender que os dois são a mesma pessoa.
É o que acontece conosco por exemplo, quando conhecemos alguém bonito fisicamente, mas este "alguém" ao revelar-se mau caráter, de péssima índole, nos faz enxergar uma feiúra antes inexistente (talvez uma feiúra na alma).
Ou ao contrário, como se vê no "conto de fadas", adaptado no filme "A bela e a fera" (1991) dos estúdios Walt Disney, em que o príncipe, tão belo, ao destratar uma pobre senhora, sofre a maldição da feiúra e somente quando Bela vê na fera, beleza, o encanto se quebra e ele torna-se belo novamente, voltando a forma física de príncipe.
Estes exemplos reforçam a ideia de que onde reside o bom, reside o belo.
Para vivermos em harmonia, precisamos respeitar uns aos outros e as duas naturezas fundamentais que existem em nós, sem desmerecer nenhuma, pois o conflito é necessário para o amadurecimento e crescimento pessoal. Nem belo e feio, nem mau e bom, mas unidade, complemento, equilíbrio.
Finalizando, encerro com mais um trecho do site que citei acima:
"Segundo as teorias de Dr. Jekyll, o homem, na verdade, não é apenas um, mas dois. Todo ser humano é dotado de duas naturezas completamente opostas equilibradas de acordo com sua saúde mental. Uma é boa, aquela que traz admiração das pessoas, compaixão dos mais velhos, elogios dos amigos e da esposa ou namorada; outra é má, aquela que é violenta, agressiva, mal-educada, feia e temida por todos. Quando bem distribuídas, com pequenas alternâncias de estado, o homem pode ser considerado normal, mas há os casos em que uma natureza se sobrepõe a outra, tentando se libertar. O problema torna-se grave quando quem alcança a liberdade é o lado negativo, gerando as fatalidades que estamos acostumados a presenciar nos noticiários."
Ou seja, nem Dr. Jekyll ou Mr. Hyde, mas os dois!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Mestrar ou mestrear?

Curiosa, procurei no google a palavra "mestrar".
E curiosamente, encontrei muita coisa.
Por exemplo:

"Na sua busca por "mestrar" não houve sucesso, não existe nenhum verbo assim na língua portuguesa. Outros resultados, que possam ser interessantes: Faça parte e dê um significado pessoal para sua busca." (Em: http://www.achando.info/verbos/conjugar/mestrar.html)

Ok. Esperava por isso, mas em seguida, encontrei outra coisa, ainda mais curiosa.

"Primeiro de tudo, temos que entender que “mestrar” não existe. Isso mesmo. Esse verbo simplesmente não consta em nosso dicionário da língua portuguesa. É um neologismo criado pelos próprios jogadores para identificar um papel, no caso, o de mestre do jogo. Se quiserem conhecer o termo gramaticalmente correto, creio que devam procurar pela palavra “mestrear”. Particularmente, pretendo utilizar certa liberdade literária para continuar usando o termo “mestrar” (sem aspas) e evitar confundir aqueles interessados em começar a exercer este divertido papel." (O Dom de “Mestrar” – Parte I - link: http://rpgdocavaleiros.wordpress.com/2010/05/05/o-dom-de-mestrar-parte-i/)

"mestrear" significaria, segundo o dicionário online português: (mestre+ear) vint 1 Fazer de mestre; falar como mestre: Mestreava com autoridade. vtd 2 Doutrinar, educar, ensinar: Mestreia adolescentes. (Em: http://www.dicio.com.br/mestrear/)

N
o site "achando", o verbo mestrear, em gerúndio se diz mestreando e em particípio pretérito se escreve mestreado." (Em:
http://www.achando.info/verbos/conjugar/mestrear.html?PHPSESSID=k0vf9j2i1smlqu2emr1rrmrbs1)

E por fim, encontro mais isto "
Galera, após muito refletir, decidi trazer essa discussão à tona. Todo o universo brasileiro de rpgistas faz uso da expressão "mestrar", como se esta fosse de fato a forma correta de designar as ações do mestre. Pois bem, nunca achei que fosse importante corrigir isso. Entretanto, com o passar do tempo, mudei minha opinião. Acho que, pelo menos, aqueles que escrevem matérias devem defender o uso adequado dos termos. Então, o verbo correto é "mestrear". Sei que soa estranho, mas é só no começo, depois todos se acostumam. Os neologismos são fundamentais na construção da lingua. Se não existisse o termo, seria preciso criar. Mas já que existe, não seria melhor resgatar? Afinal, acho que, nesse caso especificamente, se trata de um equívoco e não de um neologismo." (Necro-anjo em: http://www.rederpg.com.br/portal/modules/newbb/viewtopic.php?viewmode=compact&order=ASC&topic_id=735&forum=57)

Discordando, seus colegas/amigos/seiláoque falam logo abaixo: "Bem, a língua brasileira sempre se adapta de acordo com as influências culturais estrangeiras, sistema de alfabetização, nível social, renda, etc. Pode ser mesmo que a expressão seja um equívoco, mas, acabou se fixando no linguajar RPGístico. Pode ser que num outro contexto, num texto mais culto por exemplo, a palavra seja adequada, mas, acho que no nosso meio, dificilmente ela vai mudar...seria como uma gíria geek. Mas, tomando o tópico como base, ao invés de "mestrar" eu prefiria ouvir "maestrar" fazendo uma brincadeira com as expressões, melhor do que simplesmente narrar, seria contar uma história de gorma primorosa e memorável, resgatando a magnífica cultura de contar histórias e fazer de conta. Abraços." (ARCHMAGEILUSIONIST) e "Algo que todo pretenso filólogo tem logo que aprender é (para sua mais sincera decepção, assumo) uma vez estabelecida uma "mania de linguagem", dificilmente ela é revertida. Tanto que, para a maioria das pessoas, o mais natural é pensar mesmo no verbo "mestrar" para conjugá-lo: mestro, mestras e mestra (mestreio-mestreias-mestreia? Não creio!). Não à toa estamos (todos) fadados às línguas mortas..." (MELGALIAN)

Finalizando esse devaneio/copiaecoladogoogle: "Na verdade, mestrear é um verbo irregular defectivo (semi-inexistente) e não remete ao sentido de "narrar". Boa sorte em achar e mostrar uma gramática que contenha esse verbo. E "mestrar" só uma corruptela de "Mestre da Masmorra", do termo original Dungeon Master. Se for pelo sentido correto, Mestrar e Narrar seriam os mais próximos do sentido original. Olha, e sobre o comentário de "cultura morta", não acho que você realmente conheça a extensão de grupos e jogos que existem não só pelo Brasil, mas pelo mundo todo. Ou acha que livros de rpg seriam comercialmente viáveis se não houvessem pessoas pra compra-los e usa-los?" (LUMINE)

Fico com "mestrar" porque flui melhor. Existe na minhaescrileitura! =)

Apontador de lápis

Mais de cinco vezes. Apontei o lápis mais de cinco vezes. (prefiro lápis sempre)
Os dedos escreviam compulsivamente no caderno, sobre as impressões da aula de Teorias da Educação. Escreviam sobre o texto "Os sentidos da paixão", escreviam sobre o escrever.
Porque escrever na leitura (Barthes) não é somente escrever no ler, mas também no ler de ouvir. Ouvir-ler e escrever. Teclar. Reorganizar. Repensar. Refletir.
Se antes o texto estava solto na leitura, na aula movimentou-se, amarrou-se e soltou-se.
Falar das várias faces do amor. Que desafio! Amor que é múltiplo, descontínuo, que se relaciona com a palavra e que se relaciona com a arte de ensinar: a docência. (é mesmo uma arte?)
Mais uma vez, em mais aula, a proposta é ousada. Usar o texto como ponto de partida, como provocação, não repetição. Não sintetizar, mas pungir. Deixar vir. E as impressões vem ferozes.
Os dedos teclam continuamente nos pensamentos, ansiosos, a escritura nem dá conta.
Juliana, a responsável pelo texto, fala de Platão, Sócrates, citados por Peçanha, Platão (ou Socrátes, já não sei) provoca a riqueza da não-linearidade. (deslinearidade? inelinearidade? inlinearidade?)
Da reflexão que afasta o leitor, afasta o autor e renova energias. Retoma.
Sandra (a desbocada de ontem) é lembrada. Mesmo em sua ousadia, há preocupação com o leitor. Há? Mesmo num não-texto?
Coloca-se: aquele que recusa, foi aquele que antes aceitou. Aquele que recusa o lugar é porque deixou de lá residir. A morada é outra. Está lá para provocar. Para não-estar. Para provocar o não-estar.
Como transportar para a prática pedagógica? Como vincular? Como?
Vamos aos recortes de Platão.
Horizontal substituído pelo vertical. Método que importa mais que os conteúdos doutrinários. Processo que importa mais que resultado?
Platão insere em seus diálogos, assuntos "descozidos", diz Peçanha. Assuntos para cozinharmos.
Não procurar as respostas, encantar-se com o debate. Procurar o que constituiu os debates. Não considerar uma origem única. Há vida anterior, mas partir de algo. Qualquer algo. Ou algo possível. Um estudo que não defina a educação, que não feche, mas abra.
Provocar o exercício da fala, diz Lúcia, a professora. Porque o docente não é o que fala, mas o que provoca a fala. (os dedos escreveram: Estarei eu fazendo isso? Eu, que tanto falo?)
Que poder é esse, libertador que tira do outro a fala? Poder dado ao docente, por formar-se? Preparar-se? Estamos mesmo preparados?
Talvez o agir deva ser depois do vir. Deixar vir. Que o outro fale. Que o discente fale. Então agir. Mediar como media o amor. Mediar entre homens e deuses. Aproximar. Complementar como se complementam os casais apaixonados. Quando juntos, unidade.
Não aquele amor selvagem, irracional, onde habita a paixão. Que não é unidade, pois come um ao outro. Destrói. Machuca. Corrói. Amor-paixão ardente. Sede incontrolável. Vício. Prazer!
Mas amor filosófico. Das ideias plenas. Amor que inunda o ensino que não é mercado. Que não prova. Que não escolhe. Que reside em qualquer lugar. Amor que conhece. É conhecimento. Porque tem sede, porque busca. Amor-professor.
Um amor que provoque em nós mesmos, reflexão.
Que o conhecimento encante, como encantada estava a plateia de Socrátes.
Conhecimento na provocação, nos argumentos dispostos num tabuleiro, sem esperar xeque-mate. Jogar eternamente. Assistir eternamente. Conhecimento inalcansável.
Movimentar reflexões. Abrir. Re-abrir. Não fechar!
Não fazer o que a multidão quer, nem que a multidão seja de radicais. Seguir a intuição?
Aqui recorto o texto, palavras, reflexões. Recorte corajoso. Perigoso. Gostoso.
Não pretendi sintetizar, simplificar, argumentar. Joguei comigo mesma, com o outro, com todos.
Joguei com as palavras, com os sentidos. Fiz das impressões, poesia. Apontei o lápis. Apontei os dedos. Apontei a escrita. Que se desgasta, se renova. Recomeça.

Detalhezinho

Curioso encontrar nos meus posts anteriores a palavra "Segurança".
Ainda sinto-me segura? Devo me sentir? Melhor não me sentir?
Será que é na insegurança que reside a inspiração?
Após exatos 16 dias de experiência "mestrandas", a sede aumenta cada dia mais. Sede do saber. Sede de escrever. Sede de ter sede.
Em cada fala, crescimento. Em cada escuta, agitação. Trocas e mais trocas.
Estou eu pronta pro mestrado ou o mestrado me aprontou? Em tão pouco tempo?
As partículas do meu corpo vibram como no corpo de um cachorro ansioso pelo dono que não vê o dia inteiro, com seu rebolado traseiro, contendo uma explosão.
Lambidinhas de alegria contidas, esperando o assovio.
Eis aqui, o prazer de dividir o saber. O meu saber. Se é que é um saber.
Contagiada pela experiência-escrileitura-Sandra de hoje, sinto-me libertada de alguma coisa sem nome. Algo que estava contido, como as lambidinhas discretas e tímidas, explodo em alegria, derrubando meu dono, deliciando-me na escrita e na leitura. Leitura da vida, do dia, mais um dia.
Quando tempo permanecerei impregnada, contagiada, contaminada?
Espero que por um bom tempo. Infinito tempo. Descobri-me. Libertei-me (espero eu).