
(o original entregue contém citações da obra "Roland Barthes por Roland Barthes" - que passarei a limpo depois....)
Blog para publicação de RESENHAS de ótimos livros e que por um tempo serviu como exercício de escrita sobre a experiência do Mestrado em Educação. Aqui você encontrará: impressões, pensamentos, reflexões sobre as aulas, textos, livros, professores, colegas, e tudo que envolveu (e envolve) esta experiência fantástica de estudar, pesquisar, ler, escrever, produzir e re-inventar. (incluindo frustrações, inseguranças, desencontros e afins)
No terceiro encontro de orientação de dissertação, minha orientadora me indicou a leitura destes 4 textos, e compartilho abaixo com vocês, algumas considerações:
Obs.: Todos possuem versão PDF on-line gratuita.
PUBLICAÇÃO PERIÓDICO: Educação e Realidade.
“Um cinema que educa é um cinema que (nos) faz pensar!” – Entrevista com Ismail Xavier
Considerações: Após esclarecimentos diretamente com o autor, entendo que ele fala de um cinema do tipo ensaio-filme, que instiga a pensar, promove a reflexão, sem buscar apenas um caminho ou uma possibilidade, mas o despertar de um novo olhar, de uma nova forma de enxergar. (punctum – obtuso de Barthes). Contrariar o “senso comum” – o óbvio.
Considerando suas colocações na palestra da semana de cinema, não há um limite para um cinema de arte e indústria, pois esta reflexão pode partir da experiência sensível do espectador, mesmo em filmes que seguem padrões mercadológicos. E isto me fez pensar sobre a importância da mediação. Lembrou-me do documentário do Leandro e das possibilidades amplas de leitura, justamente por não buscar uma montagem dialética precisa, por compor aleatoriamente as imagens da tribo indígena vinculada à narração, ampliando ainda mais as possibilidades de leituras, sem a presença de uma mediação. (talvez um filme americanizado não permita sozinho esta abertura, mas uma mediação pode ampliar o olhar).
E quando ele comenta sobre o “sabedor de códigos”, entendo que ser um sabedor de códigos não é suficiente, porém é no mínimo necessário. No próprio texto da Heil, percebo que ela preocupou-se em entender os códigos para criar sua proposta de análise fílmica, porém não significa de fato que compreenda os códigos. Não basta apontar para um filme e dizer “veja, é um plano-detalhe”, mas perguntar-se “porque um plano-detalhe?”. É necessária a relação entre o código e seu uso. O código e seu contexto, autor, proposta. Ainda que seja apenas uma leitura possível, é mais significativa que deter-se a um mero conhecedor. É preciso “compreender”!
Nesse sentido entendo a Mônica quando me dizia que saber os códigos não é o suficiente, mas reforço, como Xavier em seu e-mail, que é o mínimo!
“Cinema e educação: um caminho metodológico” – Eli Henn Fabris
Considerações: Pobre e ingênuo. Quase não consigo aproveitar nada do que ela traz.
Antes de se propor a tal pesquisa, a leitura de “Ensaio sobre análise fílmica” se faz necessária, pois muitas das suas colocações me pareceram ingênuas e sem citação. Vanoye já falava bastante sobre o valor do contexto, da necessidade do domínio dos códigos e da própria história do cinema, mas o artigo me mostrou uma pesquisadora ingênua, que talvez até conheça os códigos, mas não significa que compreenda. Tanto citou que viu e estudou filmes, mas não foi capaz de citar nenhum. Não fez nenhuma síntese de leitura. Pareceu-me preocupada em provar sua base, falando de sua constante busca pelo saber específico do cinema, pela pesquisa, pelo domínio dos códigos, enquanto linguagem, mas não como expressão, reflexão, análise.
Identificar um plano não é analisar. Decupar minuciosamente um filme não é analisar minuciosamente. Seria apenas descrever. Não pareceu haver nenhum tipo de reflexão. Espectadora-colegial, que sabe os nomes, mas ainda não sabe relacionar, compor, entender, questionar, criticar. Para criticar um conceito, ideologia, valor, é necessário conhecê-lo, porém é ainda mais necessária experiência, reflexão, leitura, relação entre os saberes.
Está certo que ela não me trouxe nada de sua síntese, porém é aí que reside a fraqueza do seu texto.
PUBLICAÇÃO PERIÓDICO: CEDES - Unicamp
“Mídia e juventude: experiência do público e do privado na cultura” Rosa Maria Bueno Fischer
Considerações: A autora começa falando da tendência crescente da exposição pública, diante das redes sociais e dos canais de publicação de vídeos, como o youtube. Ela atribui esse movimento à sociedade capitalista e regimes totalitários, que aniquilaram a individualidade humana, reprimindo a espontaneidade e a criação humana, formando uma “massa” coletiva. Aqui lembrei-me de Nietzsche e da Educação Moderna, sobre a formação do homem civil, de boas maneiras, domesticado, condicionado num “rebanho” e controlado pelo governo e por um regime político voltado para a finalidade, produtividade, consumo e utilidade.
Neste sentido, ela comenta dos produtos de cultura de massa, no caso o cinema, fonte de lazer e informação, apresentando o “mundo para o mundo”, ou “o Brasil para o Brasil” como visto na Era Vargas/Roquette-Pinto do cinema educativo. O poder de comunicação do cinema a grandes distâncias é enorme e por isso é também perigoso, pois vende “falsas verdades” se não houver mediação e reflexão.
Rosa ainda fala sobre a necessidade humana de “vencer a lógica da morte”, como fala Bazin, através das expressões audiovisuais. “Aprender a morrer”. Por isso, é necessária a reflexão e problematização de como essa sociedade que necessita se expressar, ser ouvida e vista, está construindo e lendo as significações que estão sendo construídas pelas mídias. Como estamos sendo representados e como estamos consumindo estas representações. Ela dá o exemplo do jovem-Malhação e das relações entre juventude e sexo, drogas, instigando a reflexão de “nós/deles” mesmos, muitas vezes criando padrões de comportamento ou situações inverossímeis com simplificações e abordagens superficiais de assuntos complexos e subjetivos. Ela comenta sobre Foucalt e o paradoxo liberdade/controle. (talvez o próprio professor-pipa do Nietzsche).
Com tudo isto, ela ressalta da importância da reflexão da forma como nossas narrativas de vida estão sendo narradas. Como estamos sendo narrados e representados, até porque muitos valores acabam se incorporando a nossa forma de “ver” o mundo, por inconscientemente assumirmos uma mera representação como verdade “absoluta”. É importante problematizar tudo que nos rodeia, pois é no discurso, na exposição do pensamento, opinião, que mostramos quem somos. (até para nós mesmos! – Ex.: Videoclipe dos alunos na Escola). E além do debate, transformar essa “visão” de mundo, através da criação.
“Decifra-me ou devoro-te” – João “Alegria”
Considerações: Alegria parece dar continuidade às preocupações de Rosa, pois fala do poder que a televisão tem em influenciar comportamentos e formar o senso-comum, tão duramente criticado por Nietzsche já no século 17. Esse senso-comum e desejo coletivo de consumo acaba influenciando inclusive classes mais baixas, que não conseguem pelos meios legais adquirir os objetos de desejo e partem para caminhos alternativos, no caso, ilegais, como contrabando, roubo e tráfico de drogas, encurtando o caminho para a desejada “vitória”. Porém ainda que as mídias, no caso a televisão, tenha este lado negativo, há também o lado extremamente positivo de permitir a comunicação entre os povos, a partir das novas tecnologias e todas suas facilidades de acesso.
Por isso, Alegria incentiva o uso das mídias na escola, reforçando uma mediação, e da participação expressiva da criança na composição dos produtos audiovisuais. Ele questiona se os inúmeros projetos que surgem para capacitação de jovens e crianças de fato valorizam o poder de criação dos jovens. Não é somente capacitá-los para que saibam fazer uso das mídias, mas instigá-los a criar, pois se eles criam, podem contribuir para a produção de mídias e transformação de um padrão já estabelecido. Este jovens podem expressar sentimentos e situações, muitas vezes marginalizadas ou ignoradas pela mídia, ou ainda esteriotipadas constantemente no país, como políticos corruptos, violência urbana, desigualdade social. Alegria incentiva a liberdade da criação. Valorização das narrativas pessoais e coletivas. Explorar produções, envolvendo as crianças e jovens em todo o processo.
Com isto, Alegria problematiza as metodologias que tem sido empregadas atualmente em projetos de uso das mídias.
Aqui pensei em vários projetos que já vi no FAM, por exemplo, em que as crianças tem idéias, até roteirizam, mas são profissionais que gravam e editam. Elas apenas fazem parte de uma etapa do processo. Se antes eu julgava possível, na prática vejo que os alunos ganham muito mais, explorando todas as etapas. O importante não é o resultado, mas o processo e as falhas que se apresentam como grandes oportunidades de aprendizado. A edição por exemplo só se desenvolve de acordo com a necessidade e se aperfeiçoa com a prática, por isso desafiá-los a editar é desafiá-los a aperfeiçoar suas habilidades de criação e capacidade de escolhas.
“...um texto não é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico (que seria a "mensagem" do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura” (BARTHES, Roland. A morte do autor In. O rumor da língua)
Diante das inúmeras formas de ler “o mundo”, ou “um filme”, neste caso, este filme “Mãe e filho”, pareceu-me inevitável fazer relação com o cinema e a fotografia. Sokúrov nos apresenta um paradoxo, um filme-contraste, um filme de diferenças e semelhanças, de movimentos e silêncios. Um filme de morte e de vida.
Já no primeiro plano vemos uma composição curiosa: uma imagem estática, um casal que conversa, envolvido pela escuridão, onde o contraste claro/escuro típico de uma pintura, é emoldurado pelo formato retangular de qualquer tela de projeção. Se não fosse o diálogo contido e os movimentos sutis, poderíamos estar diante de uma tela de tinta à óleo.
Sobre o que conversavam? Sobre sonhos (ou pesadelos). A mulher, a mãe, já velha e enferma, revela seus temores diante de um sonho/pesadelo que sempre se repete: uma sensação incômoda de prisão. O homem, o filho, ainda que jovem e viril, compartilha do mesmo pesadelo e temor. Se este diálogo pudesse representar todos os elementos que compõem a fotografia ou o cinema (onde o movimento é pura ilusão), eu sentiria o mesmo temor. É quase como ter vida própria num espaço limitado de tempo e lugar. É quase como dar vida às imagens mortas e congeladas no tempo, compondo personagens, histórias e diálogos. É como entrar em sintonia com o diretor e compartilhar das mesmas “pirações” e/ou inventá-las. Imagine se pudéssemos ouvir o que as imagens nos dizem! Falariam dos seus medos? Da sensação estranha de aprisionamento? Do pavor da morte? Saberiam quem são e o que fazem naquele lugar? Tão escuro e distante? Tão limitado e estranho? Nessa leitura seria o possível punctum? Minha forma de ver e imaginar?
Uma mãe enferma, imóvel, dependente de um filho, jovem, ágil e solidário. Uma mãe que resiste ao tempo, cruel e veloz. Por vezes não entende porque ainda existe, tão velha e cansada. Teme e deseja a morte. Sente-se inútil e um fardo para o filho. Para que existir? Mas o filho é solidário e amoroso. Ainda que ela não consiga mais caminhar sozinha, ele a carrega. Ele a leva e a movimenta em seus braços, ainda que ela permaneça imóvel. Sempre imóvel. Reconhece em si mesmo, a importância da mãe, sua origem. Para o cinema existir, a fotografia foi o caminho, o marco, e agora é vestígio. O cinema carrega nos braços, aquela que o originou e mesmo que algum dia a recuse, jamais poderá negar sua origem (como qualquer filho).
O filho por vezes sai de cena, fora de campo, coisa possível somente no cinema. A fotografia estática, a mãe, permanece sempre estática, enferma, imóvel. A paisagem que os envolve é como uma pintura ou uma limitada moldura de projeção, mas o filho e o som se movimentam constantemente. Sempre há som. Possível prova de movimento constante? Ainda que fora de campo ou manipulado na edição, sempre há o som. Som de um trem, de pássaros, de passos, sons da vida, constante, móvel, ágil.
O filho quer alimentar a mãe, como o movimento que ânsia por mover, carregar e salvar o estático. Já crescido, independente, livre, mas eternamente grato. A mãe por vezes se recusa a comer. Está cansada de ser carregada. De ser enferma, de estar viva. Por vezes relembra sua própria origem, na casinha distante, envolvida pela paisagem serena, ao som dos pássaros e grilos. Lembra de quando era viva e quando teve seu filho, o primeiro, de uma gestação difícil, mas tão amado e desejado. Nem todos aprovaram, mas ela o teve mesmo assim. Seria o cinema um temor para alguns? Uma origem difícil e rejeitada por tantos? Uma ilusão de movimento, sem cor e som, mas de certa forma, representação da vida? A mais fiel possível, talvez?
O filho acaricia a mãe, observa, ama. Ele confere se ela apenas dorme, teme sua morte. Sente pavor de perdê-la. Conseguirá ter vida própria? Conseguirá seguir sozinho? Deseja encontrá-la onde quer que esteja. Ele sofre. Necessita interagir, tocar, estar perto. Ele a repousa no jardim e mostra-lhe fotos. Metalinguagem? Uma foto vendo uma foto? Uma imagem vendo uma imagem?
E quando o movimento do filho cessa, o som permanece. A vida os envolve? A moldura da vida os acolhe nas folhagens e estradas. O filho passeia sozinho. Pensa. Reflete. Chora. Distancia-se. Quer fugir? Quer voltar? Saiu pra pensar?
E ainda que ele repouse, sempre há o som. Diegético e extra-diegético? Por vezes ele a carrega, mas sempre repousa. Descansa. Seria a confirmação do cinema como ilusão? Ilusão do movimento? Ao cessar da película, interrupção?
A mãe fala do medo da morte e ele fala que ela pode viver quanto quiser. Escolha sua? Inevitável morte? Ela questiona o porquê, ele explica que se vive por alguma razão: a razão de apreciar a vida. E quando pensamos que ele irá se libertar, ele retorna para seu lar, sua origem. Às vezes caminha, às vezes corre, e ainda que repouse, a vida os envolve.
No passar das nuvens e no balançar das árvores, numa borboleta ou numa mosca, sempre há vida. Sempre há movimento, além do filho. Ele é envolvido pelo movimento. Ele é movimento no movimento, mas também repouso. Assim como a mãe é enferma, e está sempre no limite da vida e da morte, como a fotografia, congelada no tempo, também está viva na memória. Ao ler uma imagem, podemos criar o movimento que quisermos. Podemos projetá-la para fora de campo e imaginar continuidade, composição, histórias. Temos o poder nas mãos de sermos eternos “leitores”!
A mãe morre. O filho sofre. Ele deseja encontrá-la. Algum dia. Será a morte do cinema? Ele pede paciência. Pede que ela o espere. Ele a chama. Ele repousa. E a vida....continua....