CIBERCULTURA
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução
Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
Um livro para pensar a cibercultura.
Introdução: Dilúvios
“O crescimento do ciberespaço resulta de um
movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente,
formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas propõem.
(...) A abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar
as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político,
cultural e humano.”
“Ao nascer, o cinema foi desprezado como um meio de
embotamento mecânico das massas por quase todos os intelectuais bem-pensantes,
assim como pelos porta-vozes oficiais da cultura. Hoje, no entanto, o cinema é
reconhecido como uma arte completa, investido de todas as legitimidades
culturais possíves.”
p. 12 “O mesmo fenômeno pelo qual o cinema passou
se reproduz hoje com as práticas sociais e artísticas baseadas nas técnicas
contemporâneas.”
“A verdadeira questão não é ser contra ou a favor,
mas sim reconhecer as mudanças qualitativas na ecologia dos signos, o ambiente
inédito que resulta da extensão das novas redes de comunicação para a vida
social e cultural.”
p. 14 “Esse crescimento global tão acelerado não
tem nenhum precedente histórico. (...) O dilúvio informacional jamais cessará.”
p. 15 “Devemos aceitá-lo como nossa nova condição.
Temos que ensinar nossos filhos a nadar, a flutuar, talvez a navegar. (...) A
cibercultura expressa o surgimento de um novo universal, diferente das formas
culturais.”
Aqui Levy compara o
contexto atual com a fábula de Noé. O dilúvio são as informações que nos cercam
e o questionamento, é do que salvar na arca, que irá sobreviver a este dilúvio.
Dilema para a humanidade e dilema para cada um de nós.
“O ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o
novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O
termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital,
mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os
seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo
‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores
que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” E técnicas
criam novas condições e possibilitam ocasiões inesperadas...
Primeira
parte – Definições
Ele reflete sobre algumas questões:
As tecnologias têm um impacto?
p. 22 “É impossível separar o humano de seu
ambiente material, assim como dos signos e das imagens por meio dos quais ele
atribui sentido à vida e ao mundo. Da mesma forma, não podemos separar o mundo
material – e menos ainda sua parte superficial – das ideias por meio das quais
os objetos técnicos são concebidos e utilizados, nem dos humanos que os
inventam, produzem e utilizam.”
A tecnologia é determinante ou condicionante?
p. 25 “Uma técnica é produzida dentro de uma
cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas.”
p. 26 “Muitas vezes, enquanto discutimos sobre os
possíveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar já se impuseram.
Antes de nossa conscientização, a dinâmica coletiva escavou seus atratores.
Quando finalmente prestamos atenção, é demasiado tarde. Enquanto ainda
questionamos, outras tecnologias emergem na fronteira nebulosa onde são
inventadas as ideias, as coisas e as práticas. Elas ainda estão invisíveis,
talvez prestes a desaparecer, talvez fadadas ao sucesso.”
p. 27 A aceleração das alterações técnicas e a
inteligência coletiva
“Hipertexto é um texto em formato digital,
reconfigurável e fluido. Ele é composto por blocos elementares ligados por
links que podem ser explorados em tempo real na tela. A noção de hiperdocumento
generaliza, para todas as categorias de signos (imagens, animações, sons, etc),
o princípio da mensagem em rede móvel que caracteriza o hipertexto.”
“A Worl Wide Web (www) é uma função da Internet que
junta, em um único e imenso hipertexto ou hiperdocumento (compreendendo imagens
e sons), todos os documentos e hipertextos que a alimentam.”
p. 27-28 “Para um indivíduo cujos métodos de
trabalho foram subitamente alterados, para determinada profissão tocada
bruscamente por uma revolução tecnológica que torna obsoletos seus
conhecimentos ou mesmo a existência de sua profissão, para as classes sociais
ou regiões do mundo que não participam da efervescência da criação, produção e
apropriação lúdica dos novos instrumentos digitais, para todos esses a evolução
técnica parece ser a manifestação de um ‘outro’ ameaçador. (...) A aceleração é
tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais ‘ligados’ encontram-se, em
graus diversos, ultrapassados pela mudança, já que ninguém pode participar
ativamente da criação das transformações do conjunto de especialidades
técnicas, nem mesmo seguir essas transformações de perto. (...) Quanto mais
rápida é a alteração técnica, mis nos parece vir do exterior. (...) É aqui que
intervém, o papel principal da inteligência coletiva, que é um dos principais
motores da cibercultura.”
p. 29 “Quando mais os processos de Inteligência
coletiva se desenvolvem – o que se pressupõe, obviamente, o questionamento de
diversos poderes -, o melhor é a apropriação, por indivíduos e por grupos, das
alterações técnicas, e menores são os efeitos da exclusão ou de destruição
humana resultantes da aceleração do movimento tecno-social. O ciberespaço,
dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente
como um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva. (...) Os
pesquisadores e estudantes do mundo inteiro troca ideias, artigos, imagens,
experiências ou observações em conferências eletrônicas organizadas de acordo
com os interesses específicos.”
p. 29 A inteligência coletiva, veneno e remédio da
cibercultura
“O ciberespaço como suporte da inteligência coletiva
é uma das principais condições de seu próprio desenvolvimento. (...) O
crescimento do ciberespaço não determina automaticamente o desenvolvimento da
inteligência coletiva, apenas fornece a esta inteligência um ambiente próprio.”
As formas novas que Levy fala são: de isolamento e
sobrecarga cognitiva; dependência; dominação; exploração e bobagem coletiva.
p.30 “Nos casos em que processos de inteligência
coletiva desenvolvem-se de forma eficaz graças ao ciberespaço, um de seus
principais efeitos é o de acelerar cada vez mais o ritmo da alteração
tecno-social, o que torna ainda mais necessária a participação ativa na
cibercultura, se não quisermos ficar para trás, e tende a excluir de maneira
mais radical ainda aqueles que não entraram no ciclo positivo da alteração, de
sua compreensão e apropriação.
Devido a seu aspecto participativo, socializante, descompartimentalizante,
emancipador, a inteligência coletiva proposta pela cibercultura constitui um
dos melhores remédios para o ritmo desestabilizante, por vezes excludente, da
mutação técnica. (...) A inteligência coletiva que favorece a cibercultura é ao
mesmo tempo um veneno para aqueles que dela não participam (e ninguém pode
participar completamente dela, de tão vasta e multiforme que é) e um remédio para
aqueles que mergulham em seus turbilhões e conseguem controlar a própria deriva
no meio de suas correntes.”
p. 31 II A
infra-estrutura técnica do virtual
A emergência
do ciberespaço
p.31-31 “Um verdadeiro movimento social nascido na
Califórnia na efervescência da ‘contracultura’ apossou-se das novas
possibilidades técnicas e inventou o computador pessoal. Desde então, o
computador iria escapara progressivamente de dados das grandes empresas e dos
programadores profissionais para tornar-se um instrumento de criação (de
textos, de imagens, de músicas), de organização (banco de dados, planilhas), de
simulação (planilhas, ferramentas de apoio à decisão, programas para pesquisa),
e de diversão (jogos) nas mãos de uma proporção crescente da população dos
países desenvolvidos. (...) As tecnologias surgiram, então, como a
infra-estrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de sociabilidade,
de organização e de transação, mas também novo mercado de informação e do
conhecimento.”
p. 45 III O
digital ou a virtualização da informação
Sobre o
virtual em geral
p. 47 “A palavra ‘virtual’ pode ser entendida em ao
menos três sentidos: o primeiro, técnico, ligado à informativa, um segundo corrente
e um terceiro filosófico. (...) Na acepção filosófica, é virtual aquilo que
existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas que
ele tende a resolver-se em uma atualização. (...) Em filosofia, o virtual não
se opões ao real, mas sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois
modos diferentes da realidade.”
p. 48 “Ainda que não possamos fixá-lo em nenhuma
coordenada espaço-temporal, o virtual é real. (...) O virtual existe sem estar
presente. (...) O virtual é uma fonte indefinida de atualizações. A
cibercultura encontra-se ligada ao virtual de duas formas: direta e indireta.
(...) No centro das redes digitais, a informação certamente se encontra
fisicamente situada em algum lugar, em determinado suporte, mas ela também está
virtualmente presente em cada ponto de rede onde seja pedida.”
p. 50 “Em geral, não importa qual é o tipo de
informação ou mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode ser traduzida
digitalmente.”
Acho que aqui ele quer dizer que o filme, a música,
fotografia, texto, por exemplo, podem ser digitalizados.
p. 57 “A tendência contemporânea à
hipertextualização dos documentos pode ser definida como uma tendência à
indeterminação, à mistura das funções de leitura e escrita. (...) Se definirmos
um hipertexto como um espaço de percurso para leituras possíveis, um texto aparece
como uma leitura particular de um hipertexto. O navegador participa, portanto,
da redação do texto que lê. Tudo se dá como se o autor de um hipertexto
constituísse uma matriz de textos potenciais, o papel dos navegantes sendo o de
realizar alguns desses textos colocando em jogo, cada qual á sua maneira, a
combinatória entre os nós. O hipertexto opera a virtualização do texto. O
navegador pode tornar-se autor de maneira mais profunda que ao percorrer uma
rede preestabelecida: ao participar da estruturação de um texto. Não apenas irá
escolher quais links preexistentes serão usados, mas irá criar novos links, que
terão um sentido para ele e que não terão sido pensados pelo criador do
hiperdocumento.”
“Os leitores podem não apenas modificar os links,
mas também acrescentar ou modificar nós (textos, imagens, etc), conectar um
hiperdocumento dos dois hipertextos que antes eram separados ou, de acordo com
o ponto de vista, traçar links hipertextuais entre um grande número de
documentos. (...) Quando o sistema de visualização em tempo real da estrutura
do hipertexto (ou sua cartografia dinâmica) é bem concebido, ou quando a
navegação pode ser efetuada de forma natural e intuitiva, os hiperdocumentos
abertos acessíveis por meio de uma rede de computadores são poderosos
instrumentos de escrita-leitura coletiva.”
p. 61 “Com o hipertexto, toda leitura é uma escrita
em potencial.” (...) “A mídia é o suporte ou veículo da mensagem.
O impresso, o rádio, a televisão, o cinema ou a Internet, por exemplo, são
mídias.”
p. 63 “Podemos distinguir três grandes categorias
de dispositivos comunicacionais: um-todos, um-um e todos-todos. A imprensa, o
rádio e a televisão são estruturados de acordo com o princípio um-todos: um
centro transmissor envia suas mensagens a um grande número de receptores
passivos e dispersos. O correio ou o telefone organizam as relações recíprocas
entre interlocutores, mas apenas para contatos de indivíduo a indivíduo ou
ponto a ponto. O ciberespaço torna disponível um dispositivo comunicacional
original, já que ele permite que comunidades constituam de forma progressiva e
de maneira cooperativa um contexto comum (dispositivo todos-todos).”
“São os novos dispositivos informacionais (mundos
virtuais, informação em fluxo) e comunicacionais (comunicação todos-todos) que
são os maiores portadores de mutações culturais.”
p. 64 Quadro
com as diferentes dimensões da comunicação
p. 65 “A palavra multimídia, quando empregada para
designar a emergência de uma nova mídia, parece-me particularmente inadequada,
já que chama atenção sobre as formas de representação (textos, imagens, sons,
etc) ou de suportes, enquanto a novidade principal se encontra nos dispositivos
informacionais (em rede, em fluxo, em mundos virtuais) e no dispositivo de
comunicação interativo e comunitário ou, em outras palavras, em um modo de
relação entre as pessoas, em uma certa qualidade de laço social.” P. 66
p. 67 “Simulações podem servir para testar
fenômenos ou situações em todas as suas variações imagináveis, para pensar no
conjunto de consequências e de implicações de uma hipótese, para conhecer
melhor objetos ou sistemas complexos ou ainda explorar universos fictícios de
forma lúdica. (...) Todas as simulações baseiam-se em descrições ou modelos
numéricos dos fenômenos simulados e que valem tanto quanto as descrições.”
Levy problematiza a questão de
conhecermos o contexto onde obras digitais e virtuais estão inseridos, assim
como obras de outras linguagens, como as plásticas.
p. 74 Quadro
com os diferentes sentidos do virtual, do mais fraco ao mais forte.
p. 75 “Um mundo virtual, no sentido amplo, é um
universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital. Ao interagir
com o mundo virtual, os usuários o exploram e o atualizam simultaneamente.
Quando as interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual
torna-se vetor de inteligência e criação coletivas. Computadores e redes de
computadores surgem, então, como a infra-estrutura física do novo universo
informacional da virtualidade. Quando mais disseminam, quanto maior sua
potência de cálculo, capacidade de memória e de transmissão, mais os mundos
virtuais irão multiplicar-se em quantidade e desenvolver-se em variedade.”
IV A
interatividade
p. 79 “O termo ‘interatividade’ em geral ressalta a
participação ativa do beneficiário de uma transação da informação. Um receptor
de informação nunca é passivo. Mesmo sentado na frente de uma televisão sem
controle remoto, o destinatário decodifica, interpreta, participa, mobiliza seu
sistema nervoso de muitas maneiras, e sempre de forma diferente do seu
vizinho.”
“A possibilidade de reapropriação e de recombinação
material da mensagem por seu receptor é um parâmetro fundamental para avaliar o
grau de interatividade do produto.”
Levy diferencia os tipos de interação, como o
espectador de TV que pula entre os canais, seleciona, e o jogador, (internauta
talvez, como diz Canclini) que age, que constrói sua trajetória. A
interatividade remete ao virtual.
p. 85 V O
ciberespaço ou a virtualização da comunicação
“O melhor guia pra web é a própria web. Ainda que
seja preciso ter a paciência de explorá-la. Ainda que seja preciso arriscar-se
a ficar perdido, aceitar a ‘perda de tempo’ para familiarizar-se com esta terra
estranha. Talvez seja preciso ceder por um instante a seu aspecto lúdico para
descobrir, no desvio de um link ou de um motor de pesquisa, os sites que mais
se aproximam de nossos interesses ou de nossas paixões e que poderão, portanto,
alimentar da melhor maneira possível nossa jornada pessoal.”
Levy define aqui a diferença entre caçada (procura)
e pilhagem (descoberta), que navegar é misturar estas duas atitudes dos
sujeitos.
p. 92 “A palavra ciberespaço foi inventada em 1984
por William Gibson em seu romande de ficção científica Neuromante. No livro,
esse termo designa o universo das redes digitais, descrito como campo de
batalha entre as multinacionais, palco de conflitos mundiais, nova fronteira
econômica e cultural. (...) O termo foi retomado pelos usuários e criadores de
redes digitais” e Levy define como “o espaço de comunicação aberto pela
intercomunicação mundial de computadores e das memórias dos computadores.”
p. 93 “A perspectiva da digitalização geral das
informações provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de
comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do próximo
século”.
Uma das suas principais funções é o acesso à
distância aos diversos recursos de um computador, fornecer potência de cálculo,
transferência de dados.
Aqui ele
discute que já vivemos num momento que ter acesso ao ciberespaço não depende de
um computador no local onde estamos, ele reside na ‘nuvem’ e podemos acessar da
onde estivermos, com a conexão necessária, nosso próprio computador.
PARTE II –
Proposições
p. 111 O
universal sem totalidade, essência da cibercultura
“A cada minuto que passa, novas pessoas passam a acessar
a Internet, novos computadores são interconectados, novas informações são
injetadas na rede. Quando mais o ciberespaço se amplia, mais ele se torna
‘universal’, e menos o mundo informacional se torna totalizável. (...) O
ciberespaço se constrói em sistema de sistemas, mas, por esse mesmo fato, é
também o sistema do caos.”
p. 112 “Quanto mais o digital se afirma como um
suporte privilegiado de comunicação e colaboração, mais essa tendência à
universalização marca a história da informática.
p.113 “Quaisquer que sejam seus avatares no futuro,
podemos predizer que todos os elementos do ciberespaço continuarão progredindo
rumo à integração, à interconexão, ao estabelecimento de sistemas cada vez mais
interdependentes, universais e ‘transparentes’. (...) O desenvolvimento do
digital é, portanto, sistematizante e universalizante não apenas em si mesmo,
mas também, em segundo plano, a serviço de outros fenômenos tecno-sociais que
tendem à integração mundial: finanças, comércio, pesquisa científica, mídias, transportes,
produção industrial, etc. Por outro lado, o significado último da rede ou o
valor contido na cibercultura é precisamente a universalidade. Essa mídia tende
à interconexão geral das informações, das máquinas e do homem.”
p. 113-114 A
escrita e o universal totalizante
“Para realmente entender a mutação contemporânea da
civilização, é preciso passar por um retorno reflexivo sobre a primeira grande
transformação na ecologia das mídias: a passagem das culturas orais às culturas
da escrita. A emergência do ciberespaço, de fato, provavelmente terá – ou já
tem hoje, um efeito tão radical sobre a pragmática das comunicações quanto
teve, em seu tempo, a invenção da escrita.”
Levy diz que é difícil compreender uma
mensagem fora de seu contexto, por isso foram inventadas as artes da
“interpretação, tradução, toda uma tecnologia linguística.”
p. 116
Mídias de massa e totalidade
“As mídias de massa: imprensa, rádio, cinema,
televisão, ao menos em sua configuração clássica, dão continuidade à linhagem
cultural do universal totalizante iniciado pela escrita. Uma vez que a mensagem
midiática será lida, ouvida, vista por milhares ou milhões de pessoas
dispersas, ela é composta de forma a encontrar o ‘denominador comum’ mental de
seus destinatários. Ela visa os receptores no mínimo de sua capacidade
interpretativa. Este não é o lugar adequado para desenvolver todas as
distinções entre os efeitos colaterais culturais das mídias eletrônicas e os da
imprensa. (...) Por vocação, as mídias contemporâneas, ao se reduzirem à
atração emocional e cognitiva mais ‘universal’, ‘totalizam’. Também é o caso,
de forma mais violenta, da propaganda do partido único dos totalitarismos no
século XX: fascismo, nazismo, stalinismo. Entretanto, as mídias eletrônicas,
como o rádio ou a televisão, possuem uma segunda tendência, complementar a
primeira.”
p.117 “O contexto global instaurado pelas mídias,
em vez de emergir das interações vivas de uma ou mais comunidades, fica fora do
alcance daqueles que dele consomem apenas a recepção passiva, isolada.”
A
cibercultura ou o universal sem totalidade
p. 118 “O principal evento cultural anunciado pela
emergência do ciberespaço e á desconexão desses dois operadores sociais ou
máquinas abstratas que são a universalidade e totalização. (...) O ciberespaço
dissolve a pragmática da comunicação que, desde a invenção da escrita, havia
reunido o universal e a totalidade.”
Levy diz que ele nos leva à situação antes da
escrita. O hipertexto é vivo como a oralidade. “Seja qual for o texto, ele é o
fragmento talvez ignorado do hipertexto móvel que o envolve, o conecta a outros
textos e serve como mediador ou meio para uma comunicação recíproca,
interativa, interrompida.”
p. 119 O
universal não é o planetário
“A participação nesse espaço que liga qualquer ser
humano a outro, que permite a comunicação das comunidades entre si e consigo
mesmas, que suprime os monopólios de difusão e permite que cada um emita para
quem estiver envolvido ou interessado, essa reivindicação nos mostra, que a
participação nesse espaço assinala um direito, e que sua construção se parece
com uma espécie de imperativo moral.”
“A cibercultura dá forma a um novo tipo de
universal: um universal sem totalidade. Trata-se ainda de um universal,
acompanhado de todas as ressonâncias possíveis de serem encontradas com a
filosofia das luzes, uma vez que possui uma relação profunda com a ideia de
humanidade. Assim, o ciberespaço não engendra uma cultura do universal porque
de fato está em toda parte, e sim porque sua forma ou sua ideia implicam de
direito o conjunto dos seres humanos.”
Quanto mais universal, menos totalizável, porque
“quando se concretiza ou se atualiza, menos ele é totalizável.”
p. 123 VII O
movimento social da cibercultura
“A emergência do ciberespaço é fruto de um
verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude metropolitana
escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades
virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes.”
124-125 “O ciberespaço não é uma infra-estrutura
técnica particular de telecomunicação, mas uma certa forma de usar as infra-estruturas
existentes, por mais imperfeitas e disparatas que sejam. (...) Visa, por meio
de qualquer tipo de ligações físicas, um tipo particular de relação entre as
pessoas. (...) Seu inventor e principal motor foi um movimento social visando a
reapropriação em favor dos indivíduos de uma potência técnica que até então
havia sido monopolizada por grandes instituições burocráticas.”
Levy descreve o ciberespaço como uma “prática
de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária.” Além de
ser “um horizonte de mundo virtual vivo, heterogêneo e intotalizável no qual
cada ser humano pode participar e contribuir.”
p.127 O
programa da cibercultura: a interconexão
Levy diz que 3 princípios possibilitaram o
ciberespaço: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência
coletiva.
p.129 “As comunidades virtuais exploram novas
formas de opinião pública. (...) Oferecerem, para debate coletivo, um campo de
prática mais aberto, mais participativo, mais distribuído que aquele das mídias
clássicas. (...) É um erro pensar as relações entre antigos e novos
dispositivos de comunicação em termos de substituição. (...) As pessoas
continuam se falando após a escrita, mas de outra forma. (...) As que mais se
comunicam por telefone são as que mais encontram outras pessoas.”
p.130 Levy diz que comunidades virtuais
possibilitam uma nova forma de relação entre grupos humanos, talvez mais ampla
e abrangente que outros dispositivos poderiam permitir.
VIII O som
da cibercultura
p. 135 “Uma das características mais constantes da
ciberarte é a participação nas obras daqueles que as provam, interpretam,
exploram ou leem. Nesse caso, não se trata apenas de uma participação na
construção de sentido, mas sim uma co-produção da obra, já que o espectador é
chamado a intervir diretamente na atualização.”
Ele fala de criação contínua, da obra aberta,
participação dos interprétes, criação coletiva, obra-acontecimento,
obra-processo, interconexão e mistura dos limites. “Todas essas características
convergem em direção ao declínio (mas não ao desaparecimento puro e simples)
das figuras que garantiram, até o momento, a integridade, a substancialidade e
a totalização possível das obras: o autor e a gravação.”
p. 137 “Essa nova arte, que reencontra a tradição
do jogo e do ritual, requer também a invenção de novas formas de colaboração
entre os artistas, os engenheiros e os mecenas, tanto público como privados.”
“A forma do universal sem totalidade,
característica da civilização das redes digitais em geral, também permite dar
conta da especificidade dos gêneros artísticos próprios da cibercultura.”
p. 145 A
arte da cibercultura
“Os mundos virtuais podem eventualmente ser
enriquecidos e percorridos coletivamente. Tornam-se, nesse caso, um lugar de
encontro e um meio de comunicação entre seus participantes.”
p.146 “Assim como o cinema não substituiu o teatro,
mas constitui um novo gênero original com sua tradição e seus códigos
originais, os gêneros emergentes da cibercultura como a música tecno ou os
mundos virtuais não substituirão os antigos.” Serão que não?!
p.154 “Os gêneros da cibercultura são da ordem da
performance, como a dança e o teatro, como as improvisações coletivas de jazz,
dos concursos de poesia da tradição japonesa. Na linhagem das instalações,
requerem a implicação ativa do receptor, seu deslocamento simbólico ou real, a
participação consciente de sua memória da constituição da mensagem. (...)
Organizando a participação em eventos mais do que em espetáculos, as artes da
cibercultura reencontram a grande tradição do jogo e do ritual. O que é mais
contemporâneo retorna assim ao mais arcaico, à própria origem em seus
fundamentos antropológicos.”
X A nova
relação com o saber
p. 157 Levy diz que para entendermos as novas
relações com o saber é preciso estar atento às rápidas mutações que estão
acontecendo. Ele diz que é a primeira vez na história da humanidade que as
competências que uma pessoa adquire na sua formação profissional estarão
obsoletas no final de sua carreira. “Trabalhar quer dizer, cada vez mais,
aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos.”
Já sinto isso com minha
formação em cinema, por exemplo. E na incapacidade que temos de dar conta de
conceituar e refletir sobre todas as experiências que estamos vivendo. Parece
que uma das maneiras de lidar com elas, é apenas seguir o fluxo. Se deixar
levar...relaxar e 'gozar'! =)
Para ele, as tecnologias intelectuais favorecem:
novas formas de acesso à informação; novos estilos de conhecimento e raciocínio.
p. 158 “O que é preciso aprender não pode mais ser
canalizado nem precisamente definido com antecedência. (...) Nesse contexto, o
professor é incentivado a tornar-se um animador da inteligência coletiva de
seus grupos de alunos em vez de ser um fornecedor direto de conhecimentos.(...)
Se as pessoas aprenderem com suas atividades sociais e profissionais, se a
escola e a universidade perdem progressivamente o monópolio da criação e
transmissão de conhecimento, os sistemas públicos de educação podem ao menos tomar
para si a nova missão de orientar os percursos individuais no saber e de
contribuir para o reconhecimento dos conjuntos de saberes pertencentes às
pessoas, aí incluídos os saberes não-acadêmicos.”
p.161 “As metáforas centrais da relação com o saber
são hoje, a navegação e o surfe, que implicam uma capacidade de enfrentar as
ondas, redemoinhos, as correntes e os ventos contrários em uma extensão plena.”
– Como uma onda do mar do Lulu Santos.
p. 162-163 Levy relativiza os diferentes tipos de
leitura, assim como faz Canclini. Os excessos não devem ser encorajados, mas
acreditar que a dedicação de horas ao ciberespaço, assim como fazemos com a
leitura de livros, é somente prejudicial, é um grande equívoco. Para ele, o
ciberespaço, também é um espaço de acesso ao conhecimento e uma nova forma de
comunicação. Antes na sociedade oral, morria o ‘velho acumulador e contador de
histórias’, morria o saber; depois com a
escrita, o saber estava no livro, mas agora, com a cibercultura, e lembrando
Barthes, o saber está no intérprete.
p. 167 Levy diz que o ciberespaço será o mediador
essencial da inteligência coletiva da humanidade. “Como esse novo suporte de
informação e de comunicação emergem gêneros de conhecimento inusitados,
critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção
e tratamento de conhecimentos. Qualquer política de educação terá que levar
isso em conta.”
p. 169 XI As mutações da educação e a economia do
saber (se aprofundar depois...)
Levy diz que os indivíduos já não toleram tanto as
formas de saber e transmissão do saber de maneira uniforme ou rígida, porque
não correspondem às suas necessidades reais.
p.170 A EAD se apresenta como uma solução para
problemas educacionais e nova relação com as formas de aprendizagem e saber.
p.171 “Os professores aprendem ao mesmo tempo que
os estudantes e atualizam continuamente seus saberes ‘disciplinares’ como suas
competências pedagógicas.” Levy defende a importância da formação contínua.
“A principal função do
professor não pode mais ser a difusão dos conhecimentos, que agora é feita de
forma mais eficaz por outros meios. Sua competência deve deslocar-se no sentido
de incentivar a aprendizagem e o pensamento. O professor torna-se um animador
da inteligência coletiva dos grupos que estão a seu encargo. Sua atividade será
centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens: o incitamento à troca
de saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos
percursos de aprendizagem.”
Aqui é possível lembrar de
Freinet (e Paulo Freire) e o papel do professor com um guia, mediador e que
desperta o interesse de seus alunos. Não alguém que ensina, mas que faz pensar,
que inicia, instiga seus alunos.
Acho que é o que acaba
acontecendo na oficina. Crio desafios e depois gerencio com os saberes que eu
tenho. Ao final do ano, sinto que compartilhei o que eu sabia, e muitos dos
alunos, talvez faça um uso ainda mais potente do que foi possibilitado na aula.
Não sei mais, não se sei menos, mas sei tanto quanto.
p.229
Crítica da crítica
p. 230 Levy não nega que ‘uma vez que as
ferramentas de comunicação digital são mais potentes, permitem fazer o mal em
maior escala. Mas é preciso notar que também há instrumentos de codificação e
decodificação muito poderosos, que se encontram agora acessíveis a pessoas
físicas, e que permitem uma resposta parcial a essas ameaças.” “A televisão e a
imprensa são instrumentos de manipulação e de desinformação muito mais eficazes
do que a Internet, já que podem impor ‘uma’ visão da realidade e proibir a
resposta, a crítica e o confronto entre posições divergentes.”
p. 231 “A apropriação do conhecimento se libertará
cada vez mais das restrições colocadas pelas instituições de ensino, já que as
fontes vivas do saber estarão diretamente acessíveis e os indivíduos terão a
possibilidade de integrar-se a comunidades virtuais consagradas à aprendizagem
cooperativa.”
p. 232 Levy diz que as mídias contemporâneas tem
mostrado o lado sombrio, denunciando perigos e efeitos negativos das mutações
atuais. Ele alerta para se ter cuidado e distinguir cuidadosamente as
diferentes posturas que se apresentam, pois de um lado existe “a crítica
reativa, midiática, convencional, conservadora, álibi dos poderes
prá-estabelecidos e de preguiça intelectual, e por outro lado, uma crítica
atuante, imaginativa, voltada para o futuro, que acompanha o movimento social.
Nem toda crítica pensa.”
p. 235 XVIII
– Aqui Levy traz 4 perguntas sem respostas:
-a cibercultura seria fonte de exclusão?
-a diversidade das línguas e das culturas
encontra-se ameaçada pelo ciberespaço?
-a cibercultura é sinônimo de caos e confusão?
-encontra-se em ruptura com os valores fundadores
da modernidade europeia?
p. 238 “Os novos instrumentos deveriam servir
prioritariamente para valorizar a cultura, as competências, os recursos e os
projetos locais, para ajudar as pessoas a participar de coletivos de ajuda
mútua, de grupos de aprendizagem cooperativa, etc.”
p. 246 “O ciberespaço oferece as condições para uma
comunicação direta, interativa e coletiva. (...) A cibercultura surge como uma
solução parcial para os problemas da época anterior, mas constitui em si mesma
um imenso campo de problemas e de conflitos para os quais nenhuma perspectiva
de solução global já pode ser traçada claramente. As relações com o saber, o
trabalho, o emprego, a moeda, a democracia e o Estado devem ser reinventadas,
para citar apenas algumas das formas sociais mais brutalmente atingidas.”