sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"O que é arte" de Jorge Coli


 Seguem algumas passagens super importantes deste pequeno e importante livro:

“Dizer o que é arte é uma coisa difícil. (...) Se buscamos uma resposta clara e definitiva, decepcionamo-nos: elas são divergentes, contraditórias, além de freqüentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se como solução única. (...) Tantas e tão diferentes são as concepções sobre a natureza da arte. Entretanto se pedirmos a qualquer pessoa que possua um mínimo contato com a cultura para nos citar alguns exemplos de obras de arte ou de artistas, ficaremos certamente satisfeitos.” (p. 7)

“Arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo. (...) Se não conseguimos saber o que a arte é, pelo menos sabemos quais coisas correspondem a essa idéia e como devemos nos comportar diante delas.” (p. 8)

“Se a arte é noção sólida e privilegiada, ela possui também limites imprecisos.” (...) Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. (...) O discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse discurso é proferido por um crítico, historiador de arte, perito, conservador de museu. São aqueles que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a um objeto. Num museu, numa galeria, sei de antemão que encontrarei obras de arte; num cinema de ‘arte’, filmes que escapam à ‘banalidade’ dos circuitos normais; numa sala de concerto, música ‘erudita’, etc.” (p. 10 – 11)

“Nossa cultura prevê instrumentos que determinarão, por mim, o que é ou não arte. (...) O importante é termos em mente que o estatuto de arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais se recai.” (p.11)

Coli diz que muitas obras que antes eram incontestáveis e consideradas obras-primas, mais tarde se desvalorizaram, ou ainda, outras de menor importância foram reavaliadas e resgatadas, recebendo alto valor artístico. Além das opiniões que se confrontam, elevando ou diminuindo determinadas obras, antes consideradas incontestáveis.

“A autoridade institucional do discurso competente é forte, mas inconsistente e contraditória, e não nos permite segurança no interior do universo das artes.” (p.23)

O importante não é assimilar seu estilo ao que supomos seja o gótico ou a pintura de Renascença, mas descobrir o que o artista revela como preocupações, como visão, qual sua especificidade entre as artes de seu tempo.” (...) “As obras são sempre mais do que nos dizem as pretensas definições!” (p.37)

Estamos diante de produtos que nos escapam, que se desenvolvem de modo tão inesperado, tão pouco previsível que, para os dominar, não resistimos à tentação fácil de os classificar. E essas classificações passam a ser mais importantes do que as obras.” (p.37-38) – relação com o livro “A palavra pintada”.

Coli diz que é crítico de arte é um juiz que desvaloriza ou valoriza um objeto artístico. “Um crítico de cinema freqüentemente conhece os filmes do passado, o que lhe permite um jogo de comparações intuitivas ou explícitas, capaz de levá-lo a condenar este ou aquele filme. Mas isso, além de não ser absolutamente necessário (desnecessário), não se confunde com a construção da história dos objetos artísticos no tempo.” (p.38)

Entendo aqui que o que o crítico acha ou deixa de achar não influenciará a trajetória histórica dos objetos artísticos, pois muitas obras perdem ou ganham valor com o passar do tempo. São lembradas ou esquecidas, sempre dependendo da sociedade e contexto dos momentos históricos onde se inserem.

“Dispor os objetos artísticos ‘para nós’ significa fazê-los vir de outras culturas e outros tempos.” (p.69)

Coli diz que ao ‘rotularmos’ e ‘etiquetarmos’ artefatos artísticos estamos os transformando também. E sempre que o contexto onde este artefato está inserido se modifica, a experiência com ele se modifica também. (Poder do leitor? De Barthes?! Ruído de Umberto Eco.)

“As emoções causadas por um filme mudo, no público ao qual era destinado não podem ser as mesmas que o mesmo filme suscita agora em nós.” (p.72) 

A experiência do cinema na época do cinema mudo era uma e a experiência do cinema sonoro, colorido e 3D agora é outra bem diferente.

“A obra não é um absoluto cultural, tampouco um absoluto material, pois vive e se modifica.” As modificações que sofre com o passar do tempo e espaço, ‘atuam profundamente na percepção da obra’. (p.79)

“As artes não são imutáveis.” (p.83) “O conjunto das obras faz pensar numa grande geleira: aparentemente imutável, ela se desloca, no entanto, e possui contínuos movimentos interiores. É impossível domesticar a geleira.” (p.88)

“A arte não é um elemento vital, mas um elemento da vida.” (Mário de Andrade)

Coli diz que a arte reside no supérfluo e na gratuidade. “Se a arte é associada a um objeto útil, ela é, nele, um supérfluo.” (p.89)

Quando objetos recebem determinada atenção e valor, “sua transformação em arte acarretou o gratuito: ela não faz mais parte de um sistema racional de utilidade. E, livre, o supérfluo emerge como essencial.” (p.92)

No passado, e ainda hoje, os objetos artísticos possuíram funções sociais e econômicas que permitiram sua constituição e seu desenvolvimento: antes de ser arte, o crucifixo foi objeto de culto, o filme um espetáculo a ser consumido. Da igreja ou da produção comercial, para o museu ou para a cinemateca, a passagem impõe a perda da função primitiva.” (p.92-93)

“Posso descrever uma obra, desenvolver uma análise, assinalar este ou aquele problema, propor relações e comparações. Entretanto, tudo isso significa apenas indicar alguns modos de aproximação do objeto artístico, nunca esgotá-lo. O artista nos dá a perceber sua obra por modos que posso talvez nomear, mas que escapam do discurso, pois jamais deixarão de pertencer ao campo do não-racional.” P.107

“A arte sempre se desvia por caminhos incontroláveis, mesmo quando aparentemente obedece.” (p.109)

Coli utiliza a definição de poesia do autor Eliot (A função social da poesia) para falar que a arte é algo que não se pode formular, definir, no entanto, é possível compreender. (p.110)

“A arte pode nos parecer obediente e mensageira, mas logo percebemos que ela é sobretudo portadora de sinais, de marcas deixadas pelo não-racional coletivo, social, histórico.” (p.110)

“A arte tem assim uma função que poderíamos chamar de conhecimento, de ‘aprendizagem’. Seu domínio é o do não-racional, do indizível, da sensibilidade: domínio sem fronteiras nítidas, muito diferente do mundo da ciência, da lógica, da teoria. Domínio fecundo, pois nosso contato com a arte nos transforma. Porque o objeto artístico traz em si, habilmente organizados, os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos rodeia. Entre a complexidade do mundo e a complexidade da arte existe uma grande afinidade.” (p.111)

“A arte não isola, um a um, os elementos de causalidade, ela não explica, mas tem o poder de nos ‘fazer sentir’.” (p.112)

“A arte constrói, com elementos extraídos do mundo sensível, um outro mundo, fecundo em ambigüidades.” (...)  “Buscamos a arte pelo prazer que ela nos causa.” (p.113)

As emoções artísticas são ricas e fecundas, o prazer e evasão só são ‘alienações’ num primeiro momento: transformando nossa sensibilidade, elas transformam também nossa relação com o mundo.” (p.114)

“A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom ou graça; Pressupõe esforço diante da cultura. Para que possamos emocionar-nos, palpitar sobre o espetáculo de uma partida de futebol, é necessário conhecermos as regras desse jogo, do contrário tudo nos passará despercebido, e seremos forçosamente indiferentes. (...) A arte exige um conjunto de relações e de referências muito mais complicadas. Pois as regras do jogo artístico evoluem com o tempo, envelhecem, transformam-se nas mãos de cada artista. Tudo na arte é mutável , complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não se pode aprender regras de ‘apreciação’. E a percepção artística não se dá espontaneamente.” (p.117-118)

“Uma fato de uma grande obra ter sido consumida por um largo público significa apenas que ela possuía elementos capazes de seduzir um grande número de pessoas num momento determinado.” (p.118)

“Na nossa relação com a arte nada é espontâneo. Quando julgamos um objeto artístico dizendo ‘gosto’ ou ‘não gosto’, mesmo que acreditemos manifestar uma opinião ‘livre’, estamos na realidade sendo determinados por todos os instrumentos que possuímos para manter relações com a cultura que nos rodeia. ‘Gostar’ ou ‘não gostar’ não significa possuir uma ‘sensibilidade inata’ ou ser capaz de uma ‘fruição espontânea’ – significa uma reação do complexo de elementos culturais que estão dentro de nós diante do complexo cultural que está fora de nós, e isto, é a obra de arte.” (p.119)

“Nas obras-primas dos mestres tudo nos instrui. Acontece, porém, que essas obras-primas que nos enriquecem são por sua vez enriquecidas por nós. Cada geração descobre nelas um sentido antes despercebido.” (Emile Mâle apud Jorge Coli) (p.119-120)

“Os objetos artísticos encontram-se intimamente ligados aos contextos culturais: eles nutrem a cultura, mas também são nutridos só por ela e só adquirem razão de ser nessa relação dialética, só podem ser apreendidos a partir dela.” (p.120)

Coli diz que é importante ter contato com os objetos artísticos para despertar esta sensibilidade á arte. É preciso observar detalhadamente, descrever, refletir, problematizar, transitar e se aprofundar. E diz que os textos que definem obras de arte devem ser relativizados, já que são apenas visões e análises possíveis, mas não ‘tradutores e explicadores absolutos da obra, mesmo quando autoritariamente, pretendem sê-lo. É importante servir-se dos textos com cautela.’ (p.123)

Freqüentar uma obra é, antes de tudo, um ato de interesse!” (p.123)

Coli afirma que para o despertar sensível acontecer é preciso freqüentar a obra (como diz Bergala), pois é ‘na freqüentação da obra que a intersubjetividade pode se dar’.  (...) “A frequentação permite descobrir e percorrer, que nos ‘sintonizamos’ com o outro, numa relação particular que a vida cotidiana desconhece. (p.128)

Para que tudo isso aconteça é preciso disponibilizar este acesso, mas no Brasil sabemos que a realidade é outra. Coli diz que ainda é um território pouco explorado e expandido. Quem tem acesso é um privilegiado e técnicas de reprodução seriam insuficientes (ver filmes na TV e não no cinema). “É necessário poder ler”, tocar, ouvir,... Por isso o esforço, empenho e interesse é redobrado ou a experiência cultural permanece pobre e superficial.

Conclusão

Coli defende que preferiu se debruçar sobre a relação obra-espectador e sobre objetos artísticos, pois para entrar no terreno da Arte, seria preciso falar de estética.

"A palavra pintada" de Tom Wolfe


O livro é bacana e numa linguagem descontraída e coloquial, Wolfe narra o percurso da Arte Moderna e como a teoria sobre determinado objeto artístico passou a importar mais do que a própria manifestação da arte.

Passagens importantes
 
“As pessoas não lêem o jornal matutino, disse Marshall McLuhan certa vez, mergulham nele como se fosse um banho morno.” (p.5) – estado de privação sensorial do público atual.

Wolfe diz que na arte ‘crer é ver, pois a Arte Moderna se tornou inteiramente literária: as pinturas e outras obras só existem para ilustrar o texto.’

“Metade da força da pintura realista não advém do artista, mas dos sentimentos que o observador transporta para a tela, como uma bagagem mental.” P. 10

“A arte deve deixar de ser um espelho que reflete o homem ou a natureza. Uma pintura deve forçar o observador a vê-la pelo que é: um determinado arranjo de cores e formas numa tela. (...) Os artistas se empenharam com energia na tarefa de teorizá-la.”

Wolfe diz que os artistas sempre mantiveram relações com a elite, seja corte real ou burguesia, mas esse “retrato moderno do artista começou a se delinear: o espírito pobre, porém livre, o plebeu que aspira não pertencer a classe alguma, a se libertar para sempre das peias da burguesia ambiciosa e hipócrita, a ser o que burgueses obesos mais temiam, a ultrapassar quaisquer limites que estes estabelecessem, a olhar o mundo de uma forma que eles não conseguiam ver, andar alto, viver modestamente, manter-se sempre jovem – em suma, ser o boêmio.”  

Filmes como 'Meia noite em Paris' e 'Noel, poeta da vila' – ilustram esta vida do boêmio e dos grandes salões freqüentados por artistas.

Wolfe ironiza que a postura dos boêmios era de descaso e despreocupação com o reconhecimento de sua obra por outros artistas e por críticos especializados, mas no fundo todos queriam abocanhar uma fatia e se tornarem ‘alguém’. 

Os artistas anônimos se reunia para expor e discutir suas criações, na esperança de serem notados e apresentarem algo novo e diferente, tornando-se revolucionários, importantes e transformadores, mas sempre dependendo do julgamento de um crítico especializado. “As artes sempre foram a porta de entrada da sociedade.”

A arte moderna pertence ao período pós-guerra (1ª G.M.) e o público não tinha papel na definição do que era ou não arte. “O público não está convidado (recebe uma participação impressa depois).”

“A ideia de que o público aceita ou rejeita qualquer coisa em Arte Moderna, a idéia de que o público escarnece, despreza, não consegue compreender, deixa esmorecer, aniquila, ou comete qualquer outro crime contra a Arte ou artista isoladamente é apenas uma ficção romântica, um sentimento agridoce. (...) O público compra livros em brochuras e encadernações aos milhões, o público que compra discos aos bilhões e lota os estádios para assistir concertos, o público que gasta 100 milhões de dólares em um único filme – esse público influencia o gosto, a teoria e a perspectiva artística na literatura, na música e no teatro. (...) O mesmo nunca foi verdadeiro com relação à arte. O público cujos números gloriosos são registrados nos relatórios anuais de museus, todos aqueles estudantes e ônibus de turistas e mamães e papais intelectuais fortuitos...são apenas turistas, colecionadores de autógrafos, basbaques, espectadores de desfiles, quando se trata do jogo do Sucesso da Arte.” (p. 30)

Com isto, Wolfe afirma que o mundo da arte é uma aldeia, formada por minorias, que determinam o que é ou não arte e se apropriam de teorias para justificar suas obras e engrandecê-las, buscando sempre a novidade, a superação da superação.

“Uma curiosa mudança estava ocorrendo no próprio cerne da atividade do pintor. Inicialmente o Modernismo fora uma reação ao realismo do século XIX, uma abstração, um diagrama do realismo, para usar uma expressão de John Berger, da mesma forma que uma planta baixa é o diagrama de uma casa. Mas esse Expressionismo Abstrato...era uma reação ao próprio modernismo inicial...Era a abstração de uma abstração. (...) Em suma, a nova ordem no mundo da arte era: primeiro você encontra a palavra, depois você vê.” (p.66-67)

“Os artistas não pareciam ter a menor idéia de como a Teoria estava se tornando básica. Eu me pergunto se os teóricos teriam. Todos, artistas e teóricos, falavam como se o o seu objetivo consciente fosse criar uma arte inteiramente imediata, lúcida, despida de toda a horrível bagagem histórica, uma arte sem mistérios, honesta como o plano integral do quadro. (...)Ninguém mais estava imune á teoria. Pollock dizia coisas como: ‘Cézanne não criou teorias. Elas surgiram depois.’” (p.67)

Wolfe ironiza novamente a forma de ver a arte moderna, pois a preocupação residia na teoria, mas suas obras complexas, subjetivas e abstratas exigiam tanto do espectador, mesmo o apurado, e seu repertório necessário, que apreciá-las era um esforço. Depois de se empenhar em abstrair a abstração, desafiar o gosto burguês, mistificar as massas, os artistas e seus curadores não entendiam porque ninguém queria consumir ou comprar estas obras. “O mundo da arte fora restrito com êxito a umas 10 mil pessoas no mundo inteiro.” (p.73)

O expressionismo abstrato se desgastou e a pop art deslanchou. Com esta nova forma de ver a arte, a recusa da abstração e da teoria, valorização do realismo distorcido através de objetos banais, a Pop Arte acreditava que ser artista não era nada diferente de outras funções. Abala-se então a visão glamorosa do artista (boêmio).

A arte pop se baseava em transformar códigos e símbolos cotidianos em objetos de arte. Nem conteúdo e nem forma. Nem abstração, nem realismo e própria para o consumo. Reflexão e provocação ao papel passivo do consumidor de cultura.

Wolfe afirma então que um movimento (ismo) foi sempre a negação ou ‘comentário’ de um (ismo) movimento anterior. “Independentemente de outros predicados, toda grande arte versa sobre a arte.” (p.87)

“O boêmio, por definição, era alguém que fazia coisas que o burguês não ousava fazer. (...) Nada é mais burguês do que ter medo de parecer burguês.” (p.93)

Após a arte pop, a teoria voltou-se para o reducionismo e assim ‘a verdadeira arte é apenas aquilo que se passa em nosso cérebro.’ (p.104)

Se antes as telas eram necessárias, a abstração passou a considerar também outros materiais. Pinturas e instalações passaram a ser espaços de arte também, e telas já não eram necessárias.